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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Director at Ci

DESCONFINAR OS CENTROS DE LISBOA E PORTO

Os mais recentes dados SIR mostram uma realidade inquietante para as cidades de Lisboa e do Porto. Se no passado lideraram a valorização e o ritmo da procura, hoje são o palco da retração e da travagem de preços.

No caso da cidade de Lisboa, o mercado desvalorizou em 0,3% no primeiro trimestre de 2021. Uma redução não significativa, claro, mas que contrasta com a realidade da respetiva periferia, com 15 dos 18 concelhos metropolitanos a valorizar, chegando a um máximo de 5,3% no concelho de Setúbal. Para além de Lisboa, somente desvalorizam Cascais e Loures.

Na região do Grande Porto, por seu turno, é a Invicta a cidade com pior desempenho, apesar de positivo. Valoriza marginalmente, em 0,6%, em forte contraste com a envolvente, destacando-se Vila do Conde que viu os preços subir 3,3%.

Num prisma complementar, observa-se que a confiança dos proprietários é maior nas cidades periféricas face ao respetivo centro metropolitano. Numa análise desenvolvida para o mais recente Webinar SIR constatou-se que, no caso das periferias, os proprietários que entraram no mercado no 1º trimestre de 2021 puseram os seus imóveis à venda por um valor/m² em média cerca de 5% acima dos que o fizeram um ano antes, ou seja, entraram acima dos valores dos que já estavam no mercado. Já no caso das capitais metropolitanas, o movimento foi inverso, com as novas ofertas a entrar no mercado cerca de 1,5% abaixo do valor das que tinham entrado um ano antes. Trata-se de um padrão que se observa quer no caso de Lisboa quer no do Porto.

Aparentemente, a pandemia trouxe consigo uma alteração do paradigma da procura habitacional.

Antes os centros eram o espaço que todos disputavam. O emergir de um espírito fortemente cosmopolita, a atração por edifícios com história, assim como a procura por territórios com maior liquidez para investir, são causas e efeitos da dinâmica de reabilitação e valorização verificadas. No entanto, este modelo, desde logo em resultado da pressão do aumento de preços, conduziu a uma oferta centrada em edifícios de apartamentos, muitos de tipologias pequenas e de dimensão reduzida.

Já no quadro da crise atual, o ideal aspiracional das famílias aponta para fogos maiores, idealmente moradias, sendo que, considerando o emergir de soluções como o teletrabalho, esse ideal pode ser alcançado em geografias periféricas, menos valorizadas, em locais onde o espaço público é “desconfinado”.

Não é ainda muito visível o impacto deste novo equilíbrio nos números das transações, dada a restrição da procura se ter de conformar com a oferta pré-existente. Mas, a prazo, pode vir a ser um fator a gerar pressão para a reversão do processo de densificação urbana levado a cabo nos últimos anos.

Claro está que a evolução da pandemia ditará a duração dessa fonte de pressão. A necessidade de ar é um instinto básico de sobrevivência, mas este novo perfil de preferências tem contrapartidas negativas que devem ser consideradas, quer pelos próprios quer pelos decisores públicos, pois tem efeitos inegavelmente adversos do ponto de vista da mobilidade, da necessidade de equipamentos e da sustentabilidade económica e ambiental. Pode ser que tudo passe depressa e rapidamente voltemos ao velho normal e nos esqueçamos de todos estes temas. Seria bom, claro. Mas esquecer seria um erro.

A sustentabilidade já era o grande desafio das cidades. A saúde pública veio juntar-se-lhe, ambas contribuindo para decisões no mesmo sentido, 100% convergentes.

Cidades mais amigas das pessoas, com espaços públicos qualificados e atraentes, estruturadas com meios de mobilidade leve integrados com transportes coletivos e parques de estacionamento, mais “pedonalizadas”, populadas de esplanadas e espaços de desconfinamento e com maior integração entre zonas residenciais e comerciais, são um imperativo para a sua competitividade futura.

“Desconfinar o centro” deve ser o mote, promovendo um novo ideal, sustentável e irresistível para as famílias…

Todos sabemos que as alterações climáticas trarão novas epidemias que a globalização se encarregará de “pandemizar”. Parafraseando Churchill: «Que nunca se desperdice uma boa crise»…

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