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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

O Sr. Ministro da Habitação não dava para Presidente do BCE

O programa eleitoral com que a AD se apresentou a sufrágio previa explicitamente a «aplicação de IVA à taxa mínima de 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação e alargamento da dedutibilidade». Tendo ganho as eleições, a mesma coligação, agora em sede de Programa de Governo, manteve a mesma linha de orientação, reafirmando desta feita a «aplicação de IVA à taxa mínima de 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação e alargamento da dedutibilidade», ou seja, a mesma coisa. Num caso e noutro, novamente de forma reiterada, delimitando essa medida a «imóveis destinados a habitação permanente independentemente da localização em ARU». Sem mais.
A redução do IVA na construção não será certamente a tal bala de prata tão incessantemente procurada. No entanto, é uma medida que alinha no sentido da redução dos custos de investimento a qual, se dermos por correta a premissa de que o grande motivo de pressão do mercado é a falta de oferta (acessível), é a única que pode gerar resultados reais no combate à crise de acesso à habitação.
Há muitas formas de reduzir custos e viabilizar o lançamento de oferta acessível. Algumas são aqui recorrentemente enumeradas - licenciamento, preço dos terrenos, custos de construção e carga fiscal - todas, desde 2020, trimestre a trimestre, metodicamente identificadas através do Portuguese Investment Property Survey que realizamos com a APPII. Tão bem, aliás, que, em abono da verdade, estão todas cobertas por medidas incluídas no novíssimo pacote “Construir Portugal”. Um programa que merece um elogio por fazer um diagnóstico correto e prever medidas nesse e noutros domínios essenciais.
No licenciamento, prevê aperfeiçoar o Simplex num prazo de 90 dias. No preço dos terrenos, prevê alterar a lei dos solos em 60 dias e, em 90 dias, criar um bónus construtivo. São objetivos ambiciosos e críticos. No entanto, são medidas para futuro, pensadas para viabilizar novos projetos que venham a ser desenhados para vir para o mercado, não afetando os projetos que estão já em carteira, prontos para avançar, capazes de entregar no “curto-prazo” oferta no mercado.
Os dados da Ci, relativos ao pipeline imobiliário, mostram que há um aumento nas intensões de investimento. De janeiro a abril de 2024 foram alvo de pré-certificado energético quase 5 mil fogos mensais, 15% acima da média de 2023. No entanto, os dados do INE mostram que no mesmo período o número de fogos licenciados, ou seja, cuja obra vai iniciar-se, caiu 9%. Há, portanto, cada vez mais intensões de investimento, mas há cada vez menos lançamentos efetivos, aumentando o fosso entre ambos.
No acumulado dos últimos 12 meses, entraram em carteira mais de 53 mil fogos, tendo sido licenciados menos de 29 mil, ou seja, somente 53%. O adiamento da entrada em obra é uma consequência do aumento das dificuldades de mercado, agravadas pela tenaz dos custos de financiamento que simultaneamente oneram a promoção e retiram rendimento aos compradores. Somente, como se vê, os projetos dirigidos à gama alta são imunes a esses fatores e prosseguem, levando à conclusão equívoca de que o mercado só constrói “para ricos”.
Nesse pacote, a única medida passível de afetar a carteira de projetos prontos para construir é a redução do IVA. No entanto, ao contrário das demais, prevê-se que saia «até ao final de legislatura». Isso porque está em modelação para evitar a sua apropriação pelos promotores e pelos compradores “ricos”.
Ora, se a entrada no mercado dos 47% de projetos adiados é uma emergência. Se muitos desses fogos talvez só sejam viáveis com o IVA a 6% e os outros, os que têm margem, podem esperar até ao dia em que a medida seja efetivada, torna-se claro como essa redução se tornou essencial para aumentar a oferta (acessível).
Mesmo que os “first movers” se apropriem de parte da margem, esse é um risco que temos de correr para que a oferta surja e nivele os pratos da balança, não havendo alternativa para promover o equilíbrio de preços.
Nunca geri um Banco Central. Mas sei que as mexidas nos juros não se anunciam. Fazem-se. Sob pena da formação de expectativas anular o impacto da medida, minando a credibilidade da instituição. Fica, portanto, patente que, tal como eu, o Sr. Ministro da Habitação não dava para Presidente do BCE.

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