Revista Capa Ci Ler Edição

EDITORIAL

[ Voltar ]
Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

UM PACTO, PORQUÊ?

As eleições do próximo mês de março podem ser um momento de viragem nas políticas públicas relativas à habitação. Mas, será suficiente lançar novas medidas?

A crise da habitação em Portugal é uma realidade assimétrica. Não é universal, nem sequer maioritária. De longe. Mas afeta de forma quase plena o cerne de qualquer sociedade, “o seu futuro”, designadamente, os jovens. A relação entre a “crise da habitação” e a demografia é absolutamente dramática, sendo a sua reversão uma tarefa hercúlea. Seja pelo impacto na natalidade, condicionando as perspetivas de vida dos jovens casais, ou pela indução da sua emigração para economias com maiores rendimentos, tal crise é um dos grandes desafios à sustentabilidade da nossa sociedade, tendo impactos futuros evidentes na segurança social, nas pensões e no crescimento potencial da economia portuguesa.

Eventualmente sempre estivemos e estaremos em “crise de habitação”. Esta pode nem ser a mais severa do ponto de vista global. Mas, pelos motivos referidos, é a que pode deixar marcas estruturalmente mais profundas e difíceis de inverter.

E é nesse quadro que têm vindo a público várias vozes, entre as quais me incluo, apontando para a necessidade de promoção de um Pacto de Regime para a habitação.

Num contexto de posições tão extremadas quanto “às soluções para a habitação”, um pacto apresenta-se como um cenário de baixa probabilidade. No entanto, ainda assim, o mesmo não pode nem deve ser dispensado. Evidentemente todas as crises merecem e devem ser alvo de pactos. No entanto, há pelo menos uma diferença entre a “crise da habitação” e as da saúde, da justiça ou da educação que justifica que seja precisamente essa a que seja objeto desse esforço de convergência: a dependência face ao investimento externo.

Naturalmente, posso estar enganado, mas arrisco que qualquer plano para desenvolver soluções para a habitação que não assente na forte atração de investimento internacional estará votado ao fracasso e, consequentemente, ao agravamento em espiral da crise e das suas consequências. Não será demais lembrar que o PRR é, precisamente, capital internacional…

A grande lacuna do mercado habitacional português, que deve ser o foco de tal pacto, é a ausência de oferta para arrendamento. E, para a suprir, inevitavelmente, temos de atrair capital de longo prazo, protagonizado por investidores institucionais, os quais, sendo relativamente pouco exigentes do ponto de vista da rentabilidade, são absolutamente intransigentes e sensíveis quanto a requisitos de estabilidade e previsibilidade. Havendo blocos com perspetivas diferentes, não é necessário que tal pacto fixe condições legais e fiscais específicas. O essencial é que determine que as mesmas não possam ser unilateralmente postas em causa, minando a credibilidade das políticas.

O Pacto de Regime poderia ter uma única frase. Bastava. Poderia ser: «as partes asseguram que as condições legais e fiscais vigentes aquando do lançamento de projetos de arrendamento habitacional se manterão inalteradas ao longo de todo o ciclo de investimento e operação, sob pena de, sendo prejudicadas, serem os respetivos investidores indemnizados de todas as perdas induzidas». Enfim, com mais alguma coisa (desculpem, eu também não sou jurista…).

Março pode trazer políticas mais orientadas para a atração de investimento. Mas os investidores sabem o que “fizemos no verão passado”… Olham para o travão às rendas, para a ameaça de arrendamento coercivo, ou para o ataque aos mesmos investidores do alojamento local que antes se quis atrair, e ponderam se Portugal é mesmo um país seguro para investir, suspeitando que seja propenso à reversão de políticas, podendo ser eles as próximas “vítimas”. 

Evidentemente que existe sempre legitimidade para novas políticas. Mas num tema que, uma vez mais, depende de capital externo, o mínimo é que os investimentos em curso não sejam prejudicados por novas linhas programáticas. Basicamente porque, sem isso, não proveremos a habitação de que os jovens necessitam, com isso estrangulando a economia que os poderia remunerar e reter.

Apoios

Últimas Edições