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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

SR. KRUGMAN, DORAVANTE SIM, TALVEZ VALHA A PENA PÔR AS FICHAS EM MILAGRES

Quando, em entrevista ao Jornal de Negócios, Paul Krugman afirma que «Portugal é uma espécie de milagre económico», aparenta não atender a algumas dimensões muito simples da nossa história económica e social recente.

De facto, a economia portuguesa tem surpreendido pelo seu desempenho nos últimos anos. Talvez não tanto por estar a atingir resultados especialmente positivos, desde logo face a outros países europeus de igual dimensão, mas, mais do que isso, por ter mostrado elevados níveis de resiliência em contextos tão adversos. Num breve esforço de memória, lembramo-nos todos como aquando da pandemia havia um consenso quanto ao inevitável efeito do fim das moratórias na economia, com impactos dramáticos no mercado imobiliário e no sistema financeiro nacional que simplesmente colapsariam, replicando a experiência vivida aquando da anterior crise financeira.

Do mesmo modo, mais recentemente, quando a inflação e juros escalaram, em resultado dos impactos acumulados da covid-19 e da guerra na Ucrânia, instalou-se a certeza numa nova crise, inquestionavelmente com efeitos evidentemente adversos na situação das famílias, no imobiliário e no sistema financeiro. 

Ora tais expectativas ignoram duas ou três mudanças estruturais da nossa economia.

A primeira é a sua reorientação para o exterior, aumentando as exportações para mais de 50% do PIB e diversificando as fontes de procura. 

A segunda, mais importante para o caso do mercado imobiliário, consiste na forte redução do nível de endividamento de todos os setores institucionais. No caso do Estado, com um evidente foco das finanças públicas nesse desiderato. No caso da Banca, não só em resultado das restrições no acesso a fonte externas de financiamento, mas em especial pelo facto das políticas de crédito terem sido muito mais restritivas, mercê das orientações macro-prudenciais do Banco de Portugal. Essa política excluiu do acesso ao crédito os agentes com menor robustez financeira, colocando a Banca em níveis muito conservadores de risco, nos antípodas da situação em que se encontrava aquando da crise financeira. No caso das famílias, basicamente sucedeu o mesmo. As restrições ao crédito pelo lado da Banca e os traumas da crise anterior levaram as famílias a comportamentos muito mais cautelosos na assunção de riscos, redundando numa forte desalavancagem. De facto, se em 2009 o crédito à habitação representava 78% do montante de transações de habitação, esse rácio situou-se em somente 50% nos anos de 2017 a 2022, reduzindo-se para 42% em 2023 (nota: o efeito negativo da redução do endividamento foi a maior exclusão no acesso à habitação por parte das famílias de menores recursos).

A terceira, e de todas a mais relevante, advém do fortíssimo redimensionamento do mercado de trabalho em Portugal. Os dados do INE mostram que, apesar das tendências de emigração jovem e de envelhecimento, desde 2016 a população ativa aumentou em mais de 300 mil pessoas, fortemente impactada pelo aumento de estrangeiros a residir no nosso país. Os dados do SEF indicam que nesse período o número de residentes estrangeiros cresceu em quase 400 mil, totalizando quase 800 mil pessoas. Entre o aumento da base populacional e a redução do desemprego, desde 2013 o número de empregados cresceu em 891 mil pessoas, ou seja, 22%. Temos hoje mais 22% pessoas a trabalhar do que há 10 anos. A trabalhar, a descontar, a pagar impostos, mas também a consumir e investir.

Curiosamente, (peço que acreditem que é mesmo assim) segundo os dados do INE, no mesmo período, o PIB em volume cresceu precisamente em 22%...

Senhor Krugman, não é milagre. A economia cresceu e é resiliente porque somos mais a trabalhar e a consumir...

Somos mais porque o turismo e o alojamento local, alavancando a reabilitação urbana, tornaram Portugal num local atrativo para viver. Somos mais porque programas como o regime fiscal para residentes não habituais colocou Portugal na rota das empresas internacionais e da atração de talento. Somos mais, portanto, porque fomos capazes de ser mais relevantes no tabuleiro internacional.

Ora, como sabido, o ano de 2023 foi marcado por uma forte reversão nesse paradigma. Assim, doravante sim, talvez valha a pena pôr as fichas em milagres.

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