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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

A bioeconomia da inflação

A inflação é um custo que incide sobre as pessoas e as empresas. Tipicamente, resulta do excesso de massa monetária ou do impacto de choques exógenos à economia, como aconteceu agora com a pandemia e a guerra.

No caso do excesso de massa monetária, a cura não é muito diferente da que se observa quando há excesso seja do que for. Havendo a mais, desvaloriza ou, nos casos em que se aplique, estraga-se. Haver excesso de massa monetária é o mesmo que dizer que há mais dinheiro na economia do que capacidade para o gastar. Esse é o nosso caso, já que na resposta à crise financeira e à pandemia as economias ocidentais foram protegidas com bazucas manuseadas pelos bancos centrais, jorrando muitos milhões na forma de ajuda ao bancos, governos, empresas e famílias. Todos os economistas antecipavam que, mais cedo ou mais tarde, a inflação surgisse, como que de forma natural, num mecanismo “bioeconómico”, de causa-efeito. Só estranhavam que tardasse tanto.

Ora, dizer inflação é o mesmo que dizer pagar mais pela mesma coisa, sendo uma via natural para “secar” o excesso de liquidez. O problema sucede quando, ao invés de se curar, a doença é agravada, alimentada por uma espiral de ação-reação, em que a cada impacto da inflação se responda com a injeção de mais massa monetária na economia (na forma de salários e ajudas). Quando assim é, pode entrar-se numa crise profunda, com impactos graves e duradouros no emprego e no investimento. Infelizmente, de facto, por vezes quanto mais se quer ajudar mais se prejudica...

Em especial, tais intervenções devem mesmo ser evitadas se, como é o caso, uma parte da inflação resulta de choques exógenos à economia, dos quais resultam impactos situados no tempo.

Para evitar que a doença seja crónica e devastadora, a única alternativa é a subida das taxas de juro, tornando mais cara a circulação desse excesso de massa monetária e diminuindo a liquidez na economia, calibrando-a.

Ora, conforme sucede com a inflação, infelizmente os juros são um custo que incide sobre as pessoas e as empresas…

Não há como escapar à “bioeconomia”. O custo terá sempre de ser pago. No entanto, quanto mais tímido for o combate à doença, mais provável é que a mesma se adense e prolongue. Claro, todos sabemos, por vezes morre-se da cura. Por isso o ataque à doença deve ser atempado, decidido e, acima de tudo, credível. Se não for credível, fica-se no pior dos dois mundos: muito remédio e pouca cura, num ciclo longo de taxas de juro elevadas, sem efeitos visíveis na redução da inflação.

Para o poder de compra das famílias, há como que uma neutralidade na arbitragem entre inflação e juros. Uma aumenta os preços, implicando perda de rendimento real. O outro aumenta o custo do endividamento, produzindo o mesmo efeito. Mas, entre ambas, a socialmente mais injusta é a inflação, pois afeta especialmente os que consomem todo o seu rendimento mensal, não tendo margem para poupanças que possam beneficiar da subida nos juros.

Acresce que, se o aumento nos juros inibe o investimento e arrefece a economia, a inflação produz os mesmos efeitos, com a desvantagem de o fazer de forma muito mais danosa já que, não tendo fim à vista, promove a degradação progressiva das expectativas dos agentes.

Como é sabido, na economia, as expectativas são tudo. E é por isso que a Sr.ª Lagarde faz muito bem em não desarmar e sinalizar que fará «whatever it takes» para baixar a inflação, não tendo pejo em subir os juros o que for preciso. A teoria económica há muito que resolveu esse dilema: os bancos centrais só são eficazes no combate à inflação se forem credíveis e só o são se forem independentes, não respondendo politicamente pelos efeitos que as suas medidas causem na economia. Já os políticos populistas, só terão a tentação de apontar o dedo aos bancos centrais se, por sua culpa, não tiverem a casa arrumada, tendo excesso de despesa e dívida.

Para já, no mercado da habitação, a credibilidade da Sr.ª Lagarde parece estar a ter efeitos nas expectativas dos operadores, traduzindo-se em estabilidade de preços e na travagem na queda no número de vendas, numa reação bioeconómica essencial para a retoma da confiança.

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