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EDITORIAL

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João Loureiro
João Loureiro
Conselho Editorial da Ci

A taxa fixa como opção

Em Portugal, nos primeiros 4 meses de 2023, o peso dos novos empréstimos bancários para compra de habitação realizados com taxa variável (Euribor) representaram cerca de 70% do total dos empréstimos realizados para esse fim. Ou seja, complementarmente, os contratos realizados com taxa fixa representaram cerca de 30% do total. Estes dados contrastam, para o mesmo período, com a Área do Euro, em que os novos empréstimos a taxa variável para compra de habitação representaram apenas cerca de 24% do total, sendo de apenas 17% na Alemanha (Fonte: BCE).

A preferência dos portugueses por crédito a taxa variável para comprar casa enraizou-se a partir da última década do século passado. Em particular, a partir de, sensivelmente, 1995, quando se percebeu que Portugal, com forte probabilidade, iria ser um dos países fundadores da moeda única europeia, as taxas de juro do escudo começaram a cair vertiginosamente, em convergência para as taxas de juro do marco alemão. Nesse contexto, a concorrência entre bancos incentivou a que passassem a disponibilizar contratos a taxa variável aos clientes (na altura, o indexante era a Lisbor), cativando-os com a perspetiva de prestações mais reduzidas no futuro (nota: coincidentemente, é nesse período que se dá um grande “boom” imobiliário em Portugal). Desde então, o mercado português de empréstimos para compra de habitação a taxa fixa desapareceu, não havendo, no essencial, nem procura nem oferta. Só muito recentemente, com a súbita e significativa subida das taxas de juro, é que muitas famílias (e não só) deram conta que, afinal, as taxas de juro se podem tornar bem mais altas do que aquelas a que se habituaram nos últimos anos.

É precisamente em contextos como o atual, de crescentes taxas de juro (em dezembro de 2021 a Euribor a 12 meses cifrava-se em cerca de -0,5%, enquanto um ano e meio depois, em junho de 2023, se cifrava em cerca de 4%), que se tende a questionar se não seria mais adequado para uma família, no abstrato, financiar-se a taxa fixa quando se endivida para comprar casa.

Num mundo simples, de concorrência perfeita, e em que os agentes económicos conseguissem antever o futuro de forma perfeita, seria indiferente contratar o empréstimo a taxa fixa ou variável. Em ambos os casos, a taxa de juro média para um período longo (típico dos contratos para compra de habitação) seria semelhante, em resultado da arbitragem entre os dois mercados. Contudo, desde logo porque o futuro não se consegue antever de forma perfeita, muitos agentes económicos projetam para o futuro o que observaram no passado. Por exemplo, se constatarem um período longo com taxas de juro Euribor muito baixas, haverá muitas famílias que não estarão disponíveis para aceitar uma taxa de juro fixa de 3,5% ou 4% (refiro estes valores, considerando o objetivo do BCE de 2% para a taxa de inflação, a que acrescentei uma taxa de juro real entre 1,5% e 2%). Num contexto como o referido, o próprio volume de negócios dos bancos será maior se emprestarem a taxa variável do que se, por exemplo, emprestassem exclusivamente a taxa fixa. Claro que, para além das expetativas, existem outros fatores a determinar as escolhas das famílias, como seja, por exemplo, a possibilidade de mudar ao longo do contrato de um tipo de taxa para outro ou, ainda, a possibilidade de amortizar o empréstimo a qualquer altura.

Qual é, então, a grande vantagem de um contrato a taxa de juro fixa? Fundamentalmente a certeza acerca da mensalidade com que se pode contar ao longo do período de vigência de

contrato! Na prática, uma família ao contratar uma taxa de juro fixa, está a comprar um seguro. Ao invés, na perspetiva das famílias, a potencial vantagem de um contrato a taxa variável é poderem vir a pagar uma taxa de juro média na vida do contrato inferior à que pagariam se tivessem contratado taxa fixa. Nesse caso, assumem uma posição de risco, o que não tem nada de mal, desde que tomada conscientemente, com base em adequada literacia financeira. O que inclui ter a consciência que as taxas de juro flutuam ao longo do tempo, em função daquilo que é a obrigação de o BCE cumprir o seu mandato legal, o qual consiste em garantir que a taxa de inflação no conjunto da Área do Euro se cifra à volta de 2%. Isto obriga-o a descer as taxas de juro quando a taxa de inflação está muito baixa, mas também o obriga a subi-las, quando as taxas de inflação estão muito altas.

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