Revista Capa Ci Ler Edição

EDITORIAL

[ Voltar ]
Miguel de Castro Neto
Miguel de Castro Neto
Diretor da NOVA Information Management School

“In God we trust. All others must bring data.”

A apresentação pelo Governo do pacote “Mais Habitação” trouxe-me à memória esta afirmação, atribuída a W. Edwards Deming, que tantas vezes refiro nas aulas de Business Intelligence que leciono na NOVA Information Management School. Efetivamente, a apresentação desta iniciativa pelo Governo revela uma assimetria de informação muito significativa, pois o anúncio das várias medidas não é acompanhado de dados que permitam: 1) caracterizar o problema; 2) analisar o problema; 3) construir cenários alternativos de ação; 4) selecionar a melhor opção para a sua resolução.

Num contexto global de profunda transformação digital e de uma inquestionável mudança de paradigma, em que as organizações possuem hoje capacidades analíticas nunca vistas, materializadas em ambientes de tomada de decisão baseadas em dados, temos de transportar este ambiente para as políticas públicas e caminhar no sentido da sua formulação, execução, monitorização e avaliação ser efetuada de forma factual. Este é o cenário em que deveria ter sido apresentado o pacote “Mais Habitação”, contribuindo para um debate informado e factual sobre as diferentes medidas propostas, capaz de evitar especulações e posições ideológicas não suportadas pela realidade.

Mais, as possibilidades oferecidas pelas modernas soluções de gestão de informação e as capacidades analíticas hoje disponíveis permitem fazer esta análise com uma granularidade espacial e temporal inexistente anteriormente, oferecendo assim a oportunidade de concebermos esta medidas quase numa lógica de acupuntura, onde as medidas poderiam ter uma customização fina em função do contexto em que se aplicam.

Materializando esta abordagem num tema que tem animado o debate nos últimos dias, o Alojamento Local, basta uma análise rápida sobre a evolução da oferta, traduzida pelo registo na plataforma de dados abertos do Turismo de Portugal, para percebermos que não podemos confundir a realidade de alguns locais com o todo nacional e que existe uma dinâmica territorial que importa compreender antes de tomar a árvore pela floresta.

Como se poderia observar, por exemplo pondo esses dados num mapa, existe efetivamente um aumento substancial do número de alojamentos, mas este crescimento é acompanhado de uma dispersão do mesmo e de um ganho de expressão fora das áreas mais procuradas (Lisboa, Porto e Algarve). O Algarve é precisamente uma região em que este efeito de dispersão mais se revela, pois, é significativo o número de registos que hoje se verifica no interior desta região. Também uma análise mais fina de Lisboa e Porto permitiria constatar que a situação não é homogénea, conforme se pode observar pela pressão ao nível das freguesias destas duas cidades. Efetivamente, sendo verdade que existem freguesias com elevada carga de alojamento local, constata-se que esta pressão não é igual para todas as freguesias.

Assim, não dispensando uma análise mais detalhada e o cruzamento com dados sociodemográficos relevantes, podemos afirmar que a solução passa pela boa gestão e não pela proibição do Alojamento Local. Esta área de atividade tem um papel a cumprir no desenvolvimento de um dos mais relevantes setores de atividade económica do nosso país, bem como podendo ter um papel relevante na promoção da coesão territorial através de uma melhor distribuição da procura turística. Para tal será necessário criar mecanismos capazes de assegurar a sua gestão e definir regras/limites que sejam capazes de responder aos desafios locais e não a uma perceção nacional não quantificada e abstrata, conforme e bem tem sido feito nalgumas cidades, como é o caso de Lisboa, com o estabelecimento de limites diferenciados à escala da freguesia em função de uma avaliação quantitativa factual periódica da realidade.

Termino com outra citação, desta feita de Peter Drucker “You can't manage what you don't measure”, pois parece demasiadas vezes que, à medida que mais dados são do nosso conhecimento, mais constatamos que são tomadas decisões não suportadas pela realidade.

 

 

 

Apoios

Últimas Edições