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EDITORIAL

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José Covas
José Covas
Chairman do RICS Portugal

INCERTEZA NA ERA DO COVID-19

O aparecimento do novo coronavírus, Covid-19, e a pandemia global resultante, gerou uma elevada incerteza em todo o mundo. Entre as muitas manifestações, esta incerteza tem levado a um incremento da volatilidade do mercado imobiliário. Tal como ocorreu em situações anteriores, são criados diversos desafios aos players de mercado: aos avaliadores, uma vez que necessitam continuar a avaliar ativos, apesar da forte redução das evidências comparáveis; aos investidores que têm de tomar decisões face a um futuro incerto; aos gestores e mediadores que têm de concretizar estratégias num cenário de elevada negatividade.

O RICS tem investido bastante em Portugal, trazendo uma doutrina deontológica e uma uniformização na prática do sector que muito poucas empresas em Portugal já praticavam. Contrariamente a situações anteriores, nestes últimos meses registámos uma paragem abruta do mercado, na esmagadora maioria pela impossibilidade de realização de transações por via do confinamento. O RICS foi das primeiras organizações mundiais a publicar guias de como lidar com esta incerteza, com especial enfoque na área das avaliações.

O RICS vem ajudar a clarificar uma das principais questões dos nossos dias, ao guiar o mercado no modo como lidar com a incerteza da avaliação. Relembra assim que uma avaliação não é um fato, mas sim uma estimativa do intervalo mais provável de possíveis valores com base nos pressupostos assumidos. Uma avaliação de mercado é uma estimativa do preço mais provável que seria pago numa transação à data da avaliação. No entanto, mesmo quando os imóveis são idênticos e transacionados num mesmo horizonte temporal, podem ser observadas flutuações nos preços acordados. Essas flutuações podem ser causadas por fatores como diferenças nos objetivos, conhecimento ou motivação das partes. Consequentemente, um elemento de incerteza é inerente à maioria das avaliações de mercado, em qualquer fase do mesmo (crise ou expansão) uma vez que raramente existe um preço único com o qual a avaliação pode ser comparada. Desta forma lidar com a incerteza é algo inerente ao papel do avaliador e isso importa relembrar. Outra confusão enorme no mercado tem a ver com a incerteza de avaliação não dever ser confundida com risco. Risco é a exposição que o proprietário de um ativo tem a potenciais ganhos ou perdas futuras. O risco pode ser causado por vários fatores que afetam o próprio ativo ou o mercado em que atua. Embora o risco possa ser pensado como uma medida de incertezas futuras que podem resultar num aumento ou diminuição do preço ou valor de um ativo, a incerteza de avaliação está relacionada apenas com dúvidas que surgem como parte do processo de estimativa de valor numa data específica. A (in) certeza da avaliação e o risco de mercado, são assim independentes entre si. Por outro lado, as causas da incerteza de avaliação não são mutuamente exclusivas. Por exemplo, perturbações do mercado podem afetar a disponibilidade de dados relevantes que, por sua vez, podem criar incertezas quanto ao método ou modelo mais apropriado a ser usado.

Se a data da avaliação coincidir com crises económicas ou políticas, ou se for imediatamente a seguir a esse evento, surgirão incertezas significativas, porque os únicos inputs e métricas disponíveis provavelmente relacionar- -se-ão com o mercado antes do evento ocorrer e, portanto, terão relevância limitada para a situação na data da avaliação. O impacto do evento na atitude dos participantes do mercado e, portanto, nos preços, não será conhecido durante as suas consequências imediatas. Por isso, a incerteza causada por perturbações do mercado raramente é quantificável.

Em conclusão, num momento de incerteza de mercado, como o que vivemos, o avaliador deverá ser prudente a interpretar duas situações distintas: a falta de evidências de mercado por um lado e, por outro, o potencial comportamento dos intervenientes do mercado face ao risco. Não tendo que assumir o papel de antecipar comportamentos, o avaliador deve circunscrever-se a ponderar os dados históricos e atuais e não fazer uma antecipação das situações que podem, ou não, ocorrer. Simplesmente fazer baixar ou subir valores de imóveis por via de uma incerteza de mercado é claramente errado e deverá ser contrariado.

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