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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Director at Ci

Um mantra para o mercado: congelar a oferta, repelir os vagos

Nesta fase, não me parece muito relevante debater em demasiado detalhe as medidas anunciadas no programa “Mais Habitação”. De forma simples, dado as mais impactantes deverem ter por destino mais provável a inconstitucionalidade e as demais terem por resultado a irrelevância, num somatório de vácuos.

Independentemente do destino de umas e do resultado de outras, o mais importante do programa é a mensagem que transmite, numa linha de total errância de políticas, impregnada de discricionariedade e aniquilada pela absoluta contradição entre os objetivos anunciados e aqueles que, com o máximo de probabilidade, se obterão.

Num editorial anterior propus como mantra para o mercado “aumentar a oferta, atrair os vagos”. Não é um programa, mas é um princípio de política, tendo como orientação a resolução do atual problema da habitação, estimulando a oferta pela via da construção e pelo uso racional dos famosos vagos.

Custa-me acreditar que viva num país onde o Estado se possa intrometer no uso que cada um faz do seu património. Ou onde incita cidadãos estrangeiros a investir para, após o fazerem, alterar de forma unilateral os critérios para a manutenção dos benefícios associados a esse investimento. Ou, ainda, onde, para responder a uma política pública de reabilitação urbana, promove um novo setor de atividade, o alojamento local, levando os privados a colocarem aí as suas poupanças, muitos endividando-se, para quando os fins visados forem alcançados olhar para esses atores como descartáveis, simplesmente acenando com a revogação das licenças de atividade que legitimamente exercem. É do domínio do surreal a forma como se promove uma política de quebra de confiança. Posso estar enganado e tudo isso ser constitucional, mas de uma coisa tenho a certeza: é errado. E, é errado porque basta o seu anúncio para se produzirem efeitos duradouros de retração do investimento, efeitos perversos por prejudicarem antes de mais aqueles a quem as políticas se destinam: os jovens e os desfavorecidos.

Os investidores não fazem política pública. Não estão no mercado nem para resolver nem para agravar o problema da habitação. Mas podem ser parte dessa política, caso tenham os estímulos certos para esse efeito. De todos, o mais importante é aquele que é mais difícil de obter e mais fácil de perder: a confiança. Que não haja dúvidas: esta política perdeu toda a confiança. Fica a dúvida sobre se Portugal a conseguirá recuperar.

O pacote “Mais Habitação” tem medidas positivas. Mas de que serve discuti-las se o essencial se perdeu?

Para além de um total desfoque quanto a medidas que de facto respondam ao problema vigente, o pacote mostra a enorme falta de sensibilidade quanto à natureza industrial do mercado imobiliário. Exemplo disso é a medida-travão aplicável às rendas nos novos contratos. Como sabido, quando foi anunciado o limite de 2% à atualização das rendas, o efeito imediato foi o aumento das novas rendas contratadas em 10%. “Its the economy, stupid”… Para proteger os que estão no sistema, prejudicaram-se os que pretendem aceder... Percebendo isso, num trejeito heroico, o pacote impõe limites às novas rendas, concionando-as à renda anterior. Genial. Ou não. Novamente, mostrando-se insensível às leis da economia, o pacote ignora realidades básicas. A que destaco é o facto das rendas de mercado tanto poderem subir como descer…. O Índice de Rendas Residenciais da Ci mostra que na pandemia as rendas em Lisboa desceram uns expressivos 20%, repetindo o sucedido aquando da crise financeira. A história mostra que nas fases de depressão económica o mercado reage aumentando a oferta e descendo as rendas, funcionando como um verdadeiro estabilizador social. Ora, se a descida nas rendas se tornar irreversível, o que podemos esperar? Claro, a contração da oferta.

Este pacote já fez o que tinha a fazer: minar a confiança. O seu mantra? Congelar a oferta, repelir os vagos.

Os jovens têm bons motivos para se manifestar. São os mais penalizados. Espero, somente, que não exijam precisamente as mesmas medidas que os prejudicam.

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