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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

Um programa excepcional de habitação “económica”

O novo ciclo político implica um compromisso total com a resolução da crise do acesso à habitação, rompendo com anos perdidos num complexo ideológico que a agudizou gravemente, estimulando insatisfações e promovendo populismos.

Num contexto de emergência e perante a insuficiência da oferta pública, qualquer novo pacote deve necessariamente estruturar as soluções para a habitação em função de três pilares: a gestão do território, as formas de produção e os instrumentos de acesso.

Em qualquer um deles, evocaria o padrão de políticas de exceção, como foi o caso do RERU – Regime Excecional da Reabilitação Urbana, lançado em 2014, com uma natureza temporária, mas com claros resultados nos objetivos visados.

Aceitando como válida a premissa de que o mercado enfrenta um problema estrutural de falta de oferta, concretamente a dirigida à classe média, assim como aceitando como correta a leitura do mercado, traduzida no nosso Investment Property Survey, de que os maiores obstáculos à promoção imobiliária são (por esta ordem) o licenciamento, os custos fiscais, os custos de construção e o preço dos terrenos, arriscaria que importa lançar já medidas que tenham impactos visíveis em cada uma dessas frentes, sempre atendendo ao contexto macroeconómico nacional e salvaguardando o escrutínio e transparência na sua implementação.

Assim, iniciando pela gestão territorial, estabeleceria um regime excecional de flexibilização dos planos, aprofundando a linha programática da designada (e ideologicamente atacada) “nova lei dos solos”, dotando as Assembleias Municipais de total autonomia para o lançamento de concursos públicos, dirigidos aos proprietários de loteamentos e terrenos (urbanos ou rústicos), permitindo a flexibilização dos planos e volumetrias em função do lançamento de habitação “económica”. Tal programa poderia ser bastante elementar: o município, identificando as carências de habitação, colocava no mercado uma oferta pública, licenciando as propostas que mais contribuíssem para o ordenamento, salvaguardassem valores territoriais e ambientais e propusessem os preços de venda mais baixos, implicando a menor majoração na edificabilidade e os menores custos em infraestruturas. Um programa que se deve focar em empreendimentos com escala e que se pode viabilizar sem onerar o erário público, mas que, simultaneamente, tem de ser win-win para investidores e municípios, sob pena de não acontecer.

Adicionalmente, quanto às formas de produção, para que essa oferta possa de facto ser “económica”, esse regime deveria promover a industrialização da construção, favorecendo (como deveria ter sucedido com o PRR) o surgimento de uma procura agregada com escala suficiente para viabilizar o lançamento de um novo complexo industrial que oferecesse soluções que fossem aplicadas transversalmente nos vários projetos, contrariando a lógica atual de “industrialização” obra a obra. Para isso, faz todo o sentido que tais projetos, contratualmente “industrializados”, possam beneficiar da taxa reduzida de IVA a 6%, assim como isenções de IMT, AIMI e afins, contribuindo para a redução dos preços finais de venda.

Finalmente, sem que deva ser um imperativo, esta oferta tem todo o potencial para ser enquadrada em programas de arrendamento “económico”. Para isso, contudo, necessita de um quadro legal e fiscal que seja indubitavelmente favorável à atração massiva de capital de longo prazo, assegurando a efetivação de regimes como os REITs (por cá, SIGIs), blindando-os através de contratos de investimento, assegurando por essa via a confiança que a errância legal recente não permite lograr e sem a qual não se pode esperar o surgimento de oferta de arrendamento “económico”, com baixos prémios de risco e yields reduzidas.

E o que são preços e rendas “económicos”? Para que os programas funcionem, não se podem tabelar preços, ancorados em médias ou medianas. Como se tem visto, os preços tabelados juntam o pior dos dois mundos: nunca são baixos o suficiente para serem acessíveis e nunca são altos o suficiente para viabilizar o investimento. Assim, “económico” deve ser o preço mais baixo que o regime permita, dada a flexibilização, eficiência, competitividade fiscal e baixo risco induzidos.

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