O imobiliário turístico tem sido a grande alavanca da economia nacional. Não estritamente pelo lado imobiliário, não obstante a sua evidente importância, mas antes pelo do turismo, um setor absolutamente transformador da realidade económica portuguesa nos últimos 10 anos.
Sem qualquer dúvida, a dinâmica do turismo é um dos motivos que leva a que, segundo a JP Morgan, no 4º trimestre de 2024, Portugal e Espanha tenham sido responsáveis por 50% do crescimento económico europeu, algo que diz muito sobre ambos mas diz também muito da situação da economia europeia, sabidamente gripada, em resultado de ruturas estruturais advindas da guerra na Ucrânia, inflação, encarecimento das fontes de energia e perda de liderança industrial e tecnológica.
Como acontece com todos os setores económicos, todos mesmo, o seu desenvolvimento depende e está intimamente ligado ao setor imobiliário, apesar do papel instrumental que este possa ter, como mera infraestrutura. Esse é o caso do turismo, cujos meios de produção são o destino (geografia, cultura, património…), as pessoas e as “facilities”, que basicamente se traduzem em imobiliário. Turismo e imobiliário são os protagonistas da viragem económica nacional. Em rigor, junto com a imigração que, não sendo em si um setor económico, tem um impacto igualmente transformador.
Apesar disso, ou talvez por isso, são setores mal-amados, com má imprensa, sendo-lhes imputados todos os delitos, desde a gentrificação, a turistificação e, claro está, a financeirização, críticas que se cingem às eventuais externalidades negativas, ignorando os evidentes e visíveis impactos positivos desses setores na nossa economia.
Num contexto de tamanha incerteza, não só o turismo mas, num sentido mais lato, a atratividade de Portugal enquanto destino, é um ativo de um valor absolutamente incomensurável, que importa preservar e, mesmo, zelar. Certamente gostaríamos de ser líderes noutros setores, desde logo de natureza industrial e tecnológica. Mas não o somos, não é certo que o possamos vir a ser e, paradoxalmente, se alguma vez tivermos um papel nesses domínios é porque conseguimos tornar Portugal um país com capacidade de atração para mão-de-obra qualificada, aliás como está gradualmente a acontecer, precisamente em resultado da transformação das cidades decorrente da ação do mercado imobiliário e do turismo, gerando um ambiente urbano dinâmico, atrativo e qualificado o suficiente para atrair esse talento. Tudo está ligado e todas as dinâmicas se influenciam mutuamente.
No entanto, claro está, importa que esses processos de transformação sejam geridos e os potenciais impactos negativos sejam compensados com medidas de balanceamento. Por exemplo, se o turismo consome espaço urbano, com foco nas zonas de maior valor histórico e patrimonial, devem desenvolver-se medidas de requalificação territorial, criando novas centralidades que assegurem à população o acesso aos serviços de que necessitam, desde habitação, comércio, mobilidade, serviços públicos, etc. Não se tendo feito esse trabalho, alimenta-se
um conflito artificial entre turismo e outros usos, mordendo-se a mão que dá de comer. Sim, porque todos comemos da mão do turismo. Claro, começando por quem faz camas e recepção. Mas também o operário que produz louças, cutelaria, têxtil ou mobiliário, ou o engenheiro que desenvolve sistemas de gestão de reservas ou modelos de IA para otimização de preços, assim como a curadora de um museu, ainda há tão pouco tempo entregue às moscas e com dificuldades de financiamento.
Agora, mesmo no caso do turismo, como é evidente, deve prevalecer a racionalidade económica, não somente no sentido de não se porem todos os ovos no mesmo cesto (conforme nota o Prof. João Loureiro), mas igualmente por não fazer o cesto perigar, com tantos ovos que carrega. Discutir o crescimento da oferta turística na base das limitações administrativas não é um caminho que defenda, porque o setor tem de poder renovar-se, competir e assegurar que oferece sempre o melhor serviço. Mas discutir com base em dados já é diferente, pois podem ajudar à manutenção da racionalidade económica.
E os dados começam a dar sinais. Num ano em que o pipeline turístico supera as 30 novas unidades quer em Lisboa quer no Porto, numa altura em que o crescimento da procura já é menor, há sinais de degradação nas diárias e taxas de ocupação. Em especial nos segmentos médios.
No entanto, os efeitos de mais oferta podem ser positivos, expulsando a oferta menos qualificada (ou vocacionada) e, com isso, libertando imóveis para outros usos, por exemplo, habitacionais. Lisboa é um exemplo que como a competitividade reduziu a oferta de AL, que não regressou ao patamar de 2019, o que mostra como os equilíbrios de longo prazo são quase sempre mais interessantes do que os de curto prazo, podendo dar-se o caso de ser a hotelaria quem está a devolver habitação à cidade.