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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

NÃO À “LEI DOS SOLOS [RÚSTICOS]”. SIM À “LEI DOS SOLOS [URBANOS]”.

A nova “lei dos solos [rústicos]” tem origem no Simplex Urbanístico, que previu a possibilidade de utilização de tais terrenos para o desenvolvimento de habitação pública ou de custos controlados.

Uma ideia bem acolhida e que aparentou ser consensual na opinião pública, não só pelos fins a que se propunha, mas, igualmente, por prever a limitação desse uso a vazios urbanos dentro do perímetro urbano ou em terrenos lhe fossem contíguos, contribuindo para a densificação do edificado.

A bondade desta iniciativa é reforçada pelo reduzido stock de solo público por parte das autarquias, que teriam assim um expediente para responder a essa lacuna, em especial num contexto em que era evidente a carência de habitação pública, seja social, acessível ou controlada.

O que a nova “lei” agora apresentada visava era alargar esse expediente no sentido de responder à igualmente grave carência de oferta de habitação para a classe média, esmagada entre um mercado confinado à gama alta e uma política pública dirigida para a gama baixa. Fê-lo alargando o perímetro da “lei” a solos não necessariamente contíguos ao perímetro urbano e introduzindo uma equação para a mobilização de investimento privado que, tendo de ser viável financeiramente, sendo para a classe média, tinha de ter preços que, no pior dos casos, fossem moderados. Como pude referir em diversos fóruns, o problema da nova “lei” residia no facto de tentar fazer a quadratura do círculo, conciliando tectos de preço com níveis de investimento que, somando custos de infraestruturação, de construção, de financiamento, IVA e margem do promotor, dificilmente estrariam abaixo dos 3.000 euros/ m2 . Ora, precisamente, na esmagadora maioria dos concelhos, os tectos moderados estavam abaixo desse patamar, inviabilizando esses investimentos e esvaziando os impactos da “lei”. Sobravam alguns concelhos na coroa de Lisboa, um punhado no Porto e vários do Algarve. Ou seja, apesar do coro de críticas à natureza especulativa da medida e receios quanto ao potencial dano no ordenamento e consumo de zonas protegidas, os “preços moderados” restringiam drasticamente o seu alcance, assegurando pelo racional económico o consenso entre a urgência de edificar e a necessidade de salvaguardar valores ambientais e urbanísticos que, no século XXI, são consensuais.

Levada pelo clamor Público, a Assembleia da República está a negociar uma nova versão da “lei”, confinando-a de novo à gama baixa (cingindo-a habitação pública ou de custos controlados), inviabilizando-a enquanto instrumento de resposta às necessidades da classe média.

No entanto, esta “lei dos solos [rústicos]”, do meu ponto de vista abriu a caixa de pandora da flexibilização do planeamento. E, essas caixas, como se sabe, depois de abertas…

Ora, na versão inicial da ”lei”, a edificação em solo rústico, estando condicionada à aprovação pelas Assembleias Municipais, resultaria necessariamente de um processo negocial entre o interesse público e privado, tendo de servir a ambos, mas subordinando- -se ao público por ser quem detém o poder de conversão, viabilizando somente as operações que respondam às carências de habitação no seu concelho.

Tal conciliação de interesses parte de uma folha em branco, ou seja, de terrenos rústicos sem constrangimentos prévios. Com vários graus de liberdade, a negociação poderia livremente estabelecer desde os preços a praticar (desde que moderados), até aos níveis de edificação adequados. Assim, na prática, esta “lei” vinha flexibilizar os planos, permitindo às Autarquias negociar com o mercado a melhor resposta às suas carências definindo a forma como cada terreno poderia servir o interesse público. No entanto, se calhar ao contrário do que seria mais avisado, incidia sobre os solos rústicos, ao invés dos urbanos, que deveriam ser os primeiros a ser convocados, sendo estes que deveriam ser alvo de negociação e flexibilização casuística.

A flexibilização da edificação em solo urbano (como regime excecional) não impeliria à especulação, uma vez mais, na medida exata em que ou a nova oferta se conforma com o interesse público ou simplesmente não seria por este viabilizada.

Não à “lei dos solos [rústicos]”. Sim à “lei dos solos [urbanos]”

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