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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

Oh, não!… Outra vez arroz?

Como se viu, o mercado não ajustou pela via da crise. Os juros subiram, as vendas baixaram, os juros desceram, as vendas subiram, e, pelo meio, aos preços, o mais que lhes sucedeu, foi amenizar a subida, tendência entretanto revertida.

Assim, virada a página da crise inflacionista, a pressão no mercado habitacional prossegue, esfumando todos os anúncios de bolha que se sucederam e punham na falência do mercado as esperanças do seu reencontro com o rendimento das famílias.

Prossegue e, adianto-me, prosseguirá.

No ido ano de 2018, o mercado viu ser lançada uma Nova Geração de Políticas de Habitação, entre as quais, no arrendamento, se estabeleceu como referencial de acessibilidade a prática de valores 20% abaixo das rendas medianas publicadas pelo INE. Correndo o risco da presunção, logo nessa data me era evidente que esse caminho era um equívoco, como se veio a observar, não sendo gerador de oferta de arrendamento verdadeiramente acessível. Primeiro, nas periferias, porque as medianas de mercado eram já muito baixas, sendo resultantes de contratos de fogos usados e pouco qualificados, produzindo rendas abaixo da rentabilidade pedida pelos investidores. Segundo, nos centros, porque as medianas eram já muito altas e, nessa medida, mesmo com um desconto de 20%, poderiam viabilizar o investimento, mas não produziam rendas de facto acessíveis face ao rendimento das famílias. Terceiro, porque, nestes mercados mais caros, paradoxalmente, caso o programa funcionasse e houvesse um aumento relevante da “oferta acessível”, as medianas iriam progressivamente baixar, gradualmente expulsando do regime os imóveis que antes dessa descida “eram acessíveis”, os quais perderiam os benefícios, voltando para a “renda livre”.

Em abono da verdade, importa dizer que a falência desse programa se deveu também a todo o quadro de incerteza instalado à época (e seguintes), com medidas sucessivamente penalizadoras do investimento, inibidoras da oferta e, logo, promotoras do aumento das rendas.

Sucederam-se depois mais pacotes para a habitação, culminando no atual Construir Portugal, no quadro do qual foi ontem aprovado um “regime especial de reclassificação para solo urbano” que, nos termos do comunicado, devem ser afetos a habitação pública ou a habitação de valor “moderado”, cujo conceito uma vez mais se remete para as medianas... Ora, condicionar esse regime ao cumprimento de limites de preço ancorados nas medianas de venda significa, uma vez mais, aceitar que os mercados já de si “moderados” (na nova terminologia) ficam excluídos do acesso (por estarem limitados a valores comprimidos pelos custos de construção), e que, os menos “moderados”, são premiados, acedendo aos benefícios apesar de produzirem preços “não acessíveis”. Todo este enredo se adensa se tivermos em conta que em cidades como o Porto e Lisboa, logo por azar os mercados menos “moderados”, não há certamente muitos solos para reclassificar…

Nada tendo sido referido sobre a matéria, não custa imaginar que o regime de IVA a 6% obedecerá ao mesmo racional, restringindo-se a habitação “moderada” pelas medianas. Evidentemente, esta linha é compreensível, respondendo dentro do possível à necessidade de desonerar a habitação no quadro de restrições orçamentais vigentes (as quais, arrisco, se devem adensar, dado no novo contexto internacional ser inevitável um substancial reforço das despesas em defesa). No entanto, sendo compreensível, será simbólico, insuficiente para influenciar o mercado e promover habitação acessível.

A reclassificação de solos tem muitos méritos, mas deve estar subordinada ao primado da densificação e estar umbilicalmente ligada à proximidade a vias e meios de transporte, para as famílias não gastarem em viagens o que pouparam em IVA.

Mas, na verdade, no meio de tantos pacotes legislativos, há políticas locais que funcionam e mercados que estão a fazer o seu papel. É o caso da cidade do Porto que, apesar de ser dos concelhos metropolitanos mais pequenos, lidera a atividade de promoção imobiliária em Portugal, acumulando só este ano mais de 3 mil novos fogos em licenciamento, 23% acima do ano passado. Eventualmente, pelo efeito da revisão do PDM e dos maiores índices de construção previstos. Não é pelo Porto que o mercado tem pouca oferta.

Mais arroz não, por favor.

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