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EDITORIAL

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António Ramalho
António Ramalho
Conselho Editorial

Da crise que não existiu à crise que não deverá existir

Tenho sido desde o início deste decénio um defensor da maturidade do mercado residencial português e um contínuo e vocal defensor de duas ideias centrais que essa maturidade implica. Primeira ideia: não existem condições objectivas para se falar de uma “bolha” imobiliária. Segunda ideia: não existe uma verdadeira crise de habitação, mas tão só uma crise de acesso.

Não sendo nada pacíficas, estas duas ideias merecem uma breve justificação. Num País onde 2,8 milhões de famílias são proprietárias da sua própria habitação, onde 61,3% das famílias proprietárias já amortizaram integralmente os seus empréstimos, onde a subida da taxa de juro e da prestação não criou qualquer crédito mal parado (0,3% do crédito concedido) e onde apenas 4,9% das famílias sofrem de sobrestress habitacional (+ de 40% do rendimento afecto a despesas de habitação) o que nos coloca no 4º melhor lugar da Europa, nunca se poderá falar levianamente em crise da habitação.

E quando esse País tem um crescimento constante dos preços da habitação desde 2015, quando esse valor em Outubro se aproxima dos dois dígitos (9,6% YTD) e as transacções crescem 7% em termos homólogos aproveitando a descida das taxas de juro, isso quer dizer que existe uma procura estrutural muito superior à oferta pelo que é também inegável que não existem condições reais para sequer sussurrar que podem existir condições para uma “bolha” imobiliária.

Estes argumentos são, só de si, esclarecedores, mas apenas confirmam uma realidade longamente construída entre profissionais do sector desde promotores a mediadores, agentes de crédito e bancos financiadores, investidores e consumidores finais que operam neste mercado de forma continuada e de forma razoavelmente eficiente.

Nunca tive dúvidas sobre as duas ideias que referi acima, mesmo quando os órgãos de comunicação social abriam os noticiários com notícias sobre a crise da habitação ou os políticos disso faziam eco com introdução de políticas por vezes contraditórias. Nem uns nem outros perceberam as características próprias do mercado português e da sua maturidade.

Curiosamente, é exactamente isso que me merece sinais de preocupação face ao recente crescimento de preços m2 e face ao significativo acréscimo de transacções até outubro, valores que em ambos os casos, acabarão o ano com aumentos previsíveis de dois dígitos.

Vejamos:

O sucesso do mercado português decorre da “proprietização” bem-sucedida, iniciada em nos anos 80/90 do século passado. Isso não só permitiu aos portugueses comprarem a sua casa, mas beneficiarem da sua valorização ao longo dos anos. Isso permitiu a muitas famílias comprarem casa nova beneficiando da venda da sua casa antiga com significativas mais valias não tributadas. Portugal é, por isso, um dos Países com mais proprietários residenciais da Europa e onde os proprietários menos devem aos Bancos (estimo cerca de 75 000€ por crédito no final do ano). A subida de preços recente (1 736€ m2 foi a mediana no final do 2º trimestre) torna os portugueses mais ricos em património. Só que esse enriquecimento não foi acompanhado pelo crescimento dos rendimentos.

E nessa desconformidade está o risco para um mercado maduro. Porque num mercado maduro o centro das transacções está no mercado secundário não está nas novas habitações. Quase 80% das transacções são sobre imóveis residenciais usados e são essas transacções que criam valor para que muitas famílias acedam a nova habitação.

É certo que para isso contribui a má distribuição histórica do parque habitacional, a sua idade e não renovação na última década, e as novas utilizações do edificado urbano... mas para que este mercado funcione o preço não poderá ultrapassar um determinado stress de rendimento. Porque se isso acontecer o risco aumenta e o volume de transacções deste mercado secundário diminui reduzindo drasticamente a procura. Porque num mercado maduro e “proprietizado” como o nosso, a razão de compra de casa está mais ligada à nossa riqueza como proprietários do que à nossa pobreza como titulares de rendimentos.

Por isso o rápido crescimento de preços e transacções neste ano de 2024 não comportam apenas boas notícias para os profissionais do sector. Também comportam riscos acrescidos que merecem análise cuidada e contenção consequente.

Porque o mercado português, é bom não esquecer, é e será um mercado francamente maduro.

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