O mercado imobiliário residencial tem padecido de uma tensão estrutural na relação entre a perceção e a realidade. O apetite dos órgãos de comunicação social por informações que possam corroborar uma determinada perceção estimula a geração de conteúdos que possam ser vertidos na imprensa e, por essa via, possam servir de veículo de difusão de uma determinada marca ou agenda, gerando uma espiral de ruído com potencial para relegar a realidade para segundo plano.
O impacto do mercado de habitação na sociedade justifica a atenção que lhe é dada. O ciclo recente de desencontro entre o aumento dos preços e dos rendimentos é o pano de fundo para uma frustração que procura e toma por válida qualquer informação que confirme um ponto de vista pré-definido que, assim, é amplificado para a comunidade como um todo. Em especial quando, como por vezes sucede, líderes de opinião acabam por tomar esses elementos por válidos, credibilizando-os pela sua própria intervenção pública, na prática dando-lhes um cunho que não tinham inicialmente, quando eram apenas “notícias na imprensa”.
Certamente, para serem notícia, suportam-se em fontes que se apresentam enquanto tal, justificando que sejam assim vistas e aceites pelos meios de comunicação, a quem não se pode exigir um respaldo técnico sobre todos os temas, mais ainda quando, como referido, as fontes em causa mostram realidades que, como convém, coincidem exatamente com a perceção.
Como sabe quem opera no mercado, Lisboa é mais barata do que Madrid. Eventualmente (de certeza) não tão barata quanto já foi e, certamente, não barata o suficiente para compensar a diferença no poder de compra face aos madrilenos. Em paridades de poder de compra é muito possível que Lisboa seja mais cara. Mas, em preços absolutos, simplesmente não é. Por motivos compreensíveis, não evoco aqui os dados do SIR para dar essa evidência. Evoco os dados oficiais publicados em Portugal e Espanha, relativos às avaliações e às transações (ambos fonte INE no caso português e fonte INE mais Colégio de Registradores, respetivamente, no espanhol). Lisboa apresenta valores de avaliação de 3.792 euros/m2, contra 4.016 em Madrid, assim como preços de transação de 4.190 euros/m2, contra 4.207 em Madrid. Números bastante dissonantes dos que foram amplamente difundidos...
A responsabilidade pela informação veiculada é acima de tudo das fontes respetivas. As nuances metodológicas, por exemplo quanto à natureza dos dados, dificilmente podem ser percebidas por todos os destinatários, apesar de se lhes poder pedir um nível adequado de sensibilidade e sentido crítico.
Valores de oferta, valores para venda, preços para venda, preços de venda. Uma metamorfose singela, mas um mundo de distância, elegantemente diluído num passe de marketing, ignorando o facto de em Lisboa haver um gap de 18,7% entre o preço médio dos fogos vendidos e o valor médio de oferta dos imóveis à venda (fonte SIR).
De facto, na Ci falamos em preços de venda, dados que resultam do SIR, um sistema que agrega a informação das transações de quase todas as principais redes de mediação, mediadores e promotores imobiliários do mercado, operadores que estão identificados no nosso site e representam uma quota de cerca de 35% do universo de transações realizadas.
Recordo-me de um portal que anunciou pretender produzir estatísticas de preços de venda de habitação. Um objetivo certamente legítimo. No entanto, para que não seja mais um ator no palco do ruído, não basta que diga, por exemplo, que tem «vendas reportadas pelos consultores». Até porque, se um portal tentar obter dos consultores as respetivas vendas pode, na prática, pelo ruído gerado, acabar por prejudicar o seu objetivo central que será concentrar a oferta. De uma forma ou de outra, para ser credível, terá que, conforme é o nosso caso, explicitar quais são os operadores que lhe reportam dados e em que volume. Não basta evocar o recurso a IA…
A receita para produzir e difundir estatísticas de preços é simples: ética, sensibilidade e responsabilidade. Para termos mais realidade e menos subordinação à perceção.