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EDITORIAL

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Vera Gouveia Barros
Vera Gouveia Barros
ISEG – Universidade de Lisboa

Habitação: de Carlyle a Krugman

Oferta e procura: eram estas as duas palavras que, segundo Thomas Carlyle, bastava ensinar a um papagaio para se obter um economista. Ter quem perceba de Economia é um pouco mais complicado que isto, mas, no debate sobre habitação, parece que nem as duas palavras se sabe papaguear: há um lado que acha que o problema se resolve com mais oferta, enquanto o outro diz que é reduzindo a procura.

Quem advoga medidas de contracção da procura costuma invocar que a oferta é inelástica. Uma casa não se constrói de um dia para o outro e, por isso, no curto prazo, o número de casas existentes num país está fixo. Mas a oferta faz-se de casas postas no mercado, não de casas construídas. Logo, o aumento da oferta pode acontecer de um dia para o outro com a colocação para venda ou arrendamento de imóveis que estejam vagos. Aumentar a oferta não é sinónimo de construir mais.

Um estudo do INE com o LNEC, “O Parque Habitacional: Análise e Evolução 2011-2021”, concluiu que os mais de 402 mil alojamentos vagos e em bom estado – e até mesmo o subconjunto destes que já está no mercado – são suficientes para as 136 800 situações de carência quantitativa habitacional. Estes são, contudo, números brutos, que não olham às características das habitações e das famílias em causa. Basta introduzir a dimensão geográfica para se observar que faltam casas na Grande Lisboa, na Península de Setúbal, na Área Metropolitana do Porto e no Cávado só para responder às situações de carência quantitativa, que nem esgotam o leque das necessidades. Por exemplo, aquele número não contempla os casos dos jovens que se querem emancipar dos pais. Ou seja, 136 800 peca por defeito na identificação do desrespeito pelo direito à habitação.

O facto de, em algumas regiões, o stock de casas vagas e prontas a habitar não chegar para as necessidades de habitação reforça a ideia de que é preciso limitar a procura. Sem ir aos detalhes de medidas específicas, vou só observar que, de um modo geral, restringir a procura faz descer o preço, mas não garante mais compras e arrendamentos de casas. Portanto, esta é uma estratégia que está preocupada essencialmente com a questão distributiva.

Medidas que simplifiquem procedimentos de licenciamento, sem comprometer a qualidade da construção, nem os aspectos urbanísticos, nem a preservação de património, são, pois, bem-vindas. Mas sejamos claros: esta é uma solução a médio prazo, não é a resposta para as carências sentidas já hoje; e, para alguns segmentos, a oferta terá de ser pública. E também a oferta pública pode ser aumentada a breve prazo, através da utilização de imóveis do Estado que não estão incluídos nas estatísticas acima referidas, não obstante serem facilmente convertidos em alojamento. É uma medida repetidamente anunciada, que até está prevista na Lei de Bases da Habitação, mas que falta implementar.

Os números do referido estudo mostram, igualmente, que o número de casas sublotadas é bastante superior ao de alojamentos com sobrelotação. Num país comunista, famílias com quartos em excesso seriam realojadas em casas mais pequenas e essas casas grandes seriam ocupadas por famílias maiores. Obviamente, como democrata, não me passa pela cabeça forçar mudanças, mas ocorre-me que o IMT pode ser um entrave a uma reafectação na habitação no sentido de uma maior eficiência. Se assim for, a oferta também pode aumentar no curto prazo com alterações à fiscalidade.

Voltando ao lado da procura, sou favorável, não a limitar a procura, mas a geri-la espacialmente. Krugman ensinou-nos que o preço da habitação é uma força promotora de movimentos de desconcentração no território. Naturalmente, não podemos desejar que as pessoas deixem as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (onde vive quase metade da população do país) apenas por elas se terem tornado incomportáveis, que isso não é assegurar o direito à habitação. E, por isso, da política pública de habitação faz parte também a política de transportes e todas as outras que contribuem para a coesão do país.

Não há balas de prata. As especiais características da habitação determinam que o funcionamento deste mercado seja muito distinto do de outros mercados. Não podemos, pois, analisar o preço da habitação como fazemos, por exemplo, com o do cabaz alimentar. Quase como um papagaio, vou aqui dizer novamente que é preciso um diagnóstico. Mas mesmo sem ele, posso afirmar que não é a procura, não é a oferta, é a oferta e a procura.

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