Foi publicado, no passado dia 8 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 10/2024, conhecido por Simplex Urbanístico, que, na sequência da Lei de Autorização n.º 50/2023, de 28 de agosto, introduziu um conjunto amplo de modificações a um leque alargado de diplomas legais.
No presente momento, uma parte substancial das questões de interpretação e aplicação daquelas alterações têm vindo a colocar-se quanto ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), peça estruturante da gestão urbanística municipal.
De facto, de há muito que se vem reclamando uma simplificação procedimental neste domínio: é necessário relembrar que a simplificação é um propósito que acompanha o RJUE desde a sua origem. Neste sentido, o Decreto-Lei n.º 10/2024 continua a trilhar o caminho – cuja eficácia e adequação à nossa prática municipal nunca foram verdadeiramente demonstradas – da substituição do princípio da autoridade pública pelo princípio da autoresponsabilização dos particulares, princípio que tem levado, por um lado, à perda de relevo as tradicionais formas de atuação da Administração, através da utilização de figuras autorizativas (como as licenças e as autorizações, cujo procedimento finda com a prática de um ato administrativo, em regra de natureza permissiva, que se configura como um requisito indispensável para a execução do peticionado) e, por outro lado, a que ganhem terreno novos instrumentos de controlo administrativo que já não dependem necessariamente da prática de um ato administrativo, mas que, ainda assim, impõem à entidade pública a verificação do cumprimentos das normas legais e regulamentares aplicáveis ao projeto: o caso das meras comunicações prévias [n.º 1 do artigo 134.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)] e das comunicações prévias com prazo (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Do mesmo passo, é também compreensível que, tendo em consideração aquele desiderato, o legislador tenha ampliado o leque de isenções de controlo municipal, como de facto, e de forma relevante, o veio a fazer no âmbito do Simplex Urbanístico.
Se estas simplificações são bem vistas, parece-nos que elas não foram inicialmente bem entendidas pelos técnicos e promotores imobiliários. Com efeito, ao contrário da perceção inicial, estas modificações não trouxeram consigo uma liberalização das operações urbanísticas (que passariam a poder ser realizadas “em quaisquer condições” definidas pelos interessados), uma vez que, mesmo que o controlo municipal para a execução da operação urbanística seja menos intenso ou não ocorra de todo, mantém-se sempre a vinculação ao cumprimento de todas as normas legais e regulamentares aplicáveis (responsabilizando projetistas e promotores que as violem), bem como a possibilidade da sua fiscalização (pelos municípios ou outras entidades competentes para o efeito).
Por seu lado, se na relação do interessado com a Administração, a simplificação passa a ser o cenário normal – seja por se aumentar o leque das isenções, seja por o silêncio da administração passar a valer sempre como deferimento do pedido, seja por a execução de muitas operações não depender de atos administrativos ou de alvarás, apenas para referir algumas soluções –, a segurança jurídica passa a ser menor – torna-se mais difícil, sobretudo para com terceiros (entidades bancárias, potenciais adquirentes que exijam, para comprar, mais segurança, arrendatários, etc.), comprovar que as operações urbanísticas podem legalmente ser levadas a cabo. Neste domínio as soluções encontradas (quer na lei quer nas Portarias de regulamentação) merecem-nos maiores reservas, necessitando de ajustamentos. Assim, se o propósito do legislador não nos merece, em geral censura, já algumas soluções específicas precisam de ser ainda “trabalhadas” para poderem fazer sentido e contribuir para a melhoria das práticas de todos os envolvidos na gestão urbanística. E é sobretudo aí, isto é, nas (más) práticas instituídas, que ainda há muito para alterar. É aí que está o grande desafio, porque práticas e mentalidades não se mudam por decreto.