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EDITORIAL

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Ana Paula Delgado
Ana Paula Delgado
Porto Business School

“NEM SOL NA EIRA, NEM CHUVA NO NABAL”

Um dos objetivos centrais do programa Mais Habitação (+H) é garantir mais habitação acessível às famílias, recorrendo para o efeito a um conjunto de medidas que visam, no entendimento do Governo, reforçar a oferta pública e privada de arrendamento acessível. Para atingir esse desiderato o Governo, entre outras medidas, propõe-se forçar a entrada no mercado de arrendamento habitacional permanente e acessível de fogos ocupados por unidades de alojamento local (AL).

As medidas do programa +H relativas ao AL, atingem a viabilidade económica e financeira do sector, em especial das unidades instaladas em territórios que não sejam de baixa densidade e em apartamentos. As medidas previstas incluem a suspensão de novos registos até 2030 em territórios de alta densidade; a caducidade dos registos por qualquer causa de transmissão, salvo sucessão; a limitação da validade de novos registos a 5 anos; a caducidade de registos inativos e o fim da redução do valor patrimonial tributário com a idade do imóvel se o mesmo estiver afeto a AL. Se estas medidas são gravosas, desde logo porque alteram, abruptamente, as condições de exercício da atividade, a contribuição extraordinária sobre o alojamento local (CEAL) prevista no programa, a concretizar-se, implica um acréscimo de custos que pode determinar o encerramento de um número significativo de estabelecimentos, com efeitos de arrastamento não despiciendos sobre as atividades complementares, o emprego e as exportações de serviços de turismo.

Em abril de 2023 a CEAL abrange potencialmente 70% das unidades constantes do registo nacional do alojamento local, atingindo no Porto e em Lisboa, de 93% e 98%, respetivamente. O n.º 4 do artigo 3.º do anexo da referida proposta de lei exclui da incidência objetiva os AL localizados nos territórios do interior ou em freguesias que integrem municípios nos quais não tenha sido declarada situação de carência de habitação e não tenham parte do seu território como zona de pressão urbanística.

De acordo com o anexo à proposta de lei a base tributável da CEAL é constituída pela aplicação do coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais. O primeiro é dado pelo quociente entre o REVPAR, apurado pelo INE, e a área bruta mínima de um fogo habitacional de tipologia T1, atualmente 52 m2. O segundo reflete o crescimento relativo das rendas face à zona em que tal variação seja mais elevada. Considerando um coeficiente de pressão urbanística entre 0,5 e 1 e considerando apartamentos com a área mínima definida no RJEU, segundo os nossos cálculos, a CEAL absorve nos T1, 10% a 20% do correspondente REVPAR anual e, nos T2, 7% a 14%, consoante o coeficiente de pressão urbanística (0,5 a 1).

Ou seja, o Governo coloca os municípios abrangíveis perante um dilema impossível. Ou definem zonas de carência habitacional e de pressão urbanística e garantem acesso a financiamento público destinado à política local de habitação, sujeitando, desde logo, as unidades de alojamento local aí instaladas, a 31 de dezembro de cada ano civil, ao pagamento da contribuição extraordinária, ou prescindem desses apoios públicos, não declarando situações de carência habitacional e isentando, desse modo, os estabelecimentos de alojamento local do pagamento da contribuição extraordinária. No dizer do Governo, os municípios terão que escolher dado que não podem ter “sol na eira e chuva no nabal”.

Impunha-se, no mínimo, que o Governo tivesse realizado um estudo dos custos e benefícios da medida e apresentado, publicamente, os resultados do mesmo. Em particular seria interessante saber quantas unidades de habitação, afetas a alojamento local, prevê que venham a ser lançadas no mercado de arrendamento habitacional acessível e permanente? Não haveria políticas alternativas como, por exemplo, a efetiva mobilização dos imóveis vagos que não se encontram no mercado nem para venda nem para arrendamento? Não é a eliminação de um sector com peso relevante na economia nacional e na economia das principais áreas urbanas um preço demasiado elevado? Não arrisca o Governo, com as medidas de penalização do AL, a não ter “nem sol na eira nem chuva no nabal”?

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