A retoma do mercado imobiliário, alavancada pelos incentivos ao investimento estrangeiro e pela liberalização do mercado de arrendamento conduziu, nos últimos anos, a um aumento continuado dos preços / rendas e à absorção do stock existente e da nova (escassa) oferta, nos segmentos de maior qualidade/preço.
A insuficiência da oferta, em contexto de contínua pressão da procura, traduziu-se no crescimento sustentado dos preços, agravando o desajustamento entre o custo da habitação e o rendimento médio das famílias. Em 2021, os preços da habitação registavam, comparativamente a 2011, um crescimento de cerca de 67% enquanto, no mesmo período, o rendimento médio das famílias registou um acréscimo de apenas 23,5%.
O aumento dos preços da habitação e as dificuldades de acesso ao crédito, para aquisição de habitação própria, podem levar as famílias a apostar no mercado de arrendamento. De facto, de acordo com os dados dos Censos, em 2021, 22,3% dos alojamentos familiares clássicos de residência habitual estavam arrendados o que afirma a tendência de recuperação do arrendamento, face à habitação própria, que se vem notando desde o início deste século. Contudo, a evolução recente do mercado de arrendamento aponta para o aumento das rendas, em todas as tipologias, e da taxa de esforço das famílias.
Reconhecendo o contributo estrutural dos programas públicos de financiamento da aquisição de habitação própria e de incentivo ao arrendamento, para a subida dos preços, o estado aprovou recentemente um conjunto de medidas que visam aumentar a oferta de habitação a preços compatíveis com o rendimento das famílias.
Parece haver uma clara intenção de reforçar a expressão do arrendamento de interesse social como forma de resolver os problemas de acesso ao mercado por parte das famílias e dotar o Estado e os municípios de um stock de habitação que permita regular efetivamente o mercado.
A recente alteração das regras de funcionamento do mercado privado de arrendamento, põe em causa, mais uma vez, a recuperação deste mercado e arrisca diminuir a quantidade de alojamento que os proprietários colocam no mercado. Um dos aspetos mais importantes para o correto funcionamento do mercado privado de arrendamento é a confiança dos investidores na estabilidade da legislação que regula o contrato, das regras de atualização periódica das rendas e do enquadramento fiscal dos rendimentos obtidos. Ao suspender a aplicação, em 2023, do regime de atualização das rendas previsto no artigo 24.º do regime do arrendamento urbano, fixando um coeficiente de atualização de 2%, quando a taxa de inflação, em 2022, ameaça chegar aos 10%, o governo pode estar a contribuir para um agravamento dos desequilíbrios do mercado de arrendamento, uma vez que os privados tenderão a não renovar os contratos em curso, optando por retirar, ainda que temporariamente, as habitações do mercado. A anunciada extensão daquela medida aos novos contratos, a confirmar-se, minará ainda mais a confiança dos investidores.
A fixação de um teto à atualização das rendas, compreensível do ponto de vista social e orçamental, atira mais uma vez para os senhorios o ónus das políticas públicas centrais, em matéria de arrendamento. Mesmo admitindo que as medidas compensatórias em sede de IRS são neutrais no que refere o rendimento predial de 2023, o facto de a compensação só se efetivar em 2024 é penalizadora. Acresce que o coeficiente de atualização das rendas para 2024 incidirá, muito provavelmente, sobre o valor atualizado da renda em 2023, traduzindo-se numa perda efetiva de rendimento expectável (à luz da legislação em vigor até à publicação da lei n.º 19/2022) para os detentores de imóveis colocados no mercado “livre” de arrendamento. Fica assim comprometido o sucesso de programas que visam atrair o investimento à construção ou reabilitação para arrendamento habitacional permanente (“built to rent”) correndo-se o risco de confinar o mercado de arrendamento aos segmentos de renda de interesse social, apoiada ou acessível, invertendo a tendência de afirmação do arrendamento.