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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

Proteger quem está dentro, em prejuízo dos que acabam de entrar.

A Vida Imobiliária festejou recentemente os seus 25 anos. Fez questão de celebrar essa efeméride realizando uma merecida (e fantástica) festa. Mas fez questão, igualmente, de aproveitar a oportunidade para lançar um olhar sobre o futuro, convidando diversas personalidades do mercado a partilhar a sua visão quanto às grandes tendências para os próximos 25 anos. Tive o gosto de poder juntar-me nesse painel, tendo aproveitado para trazer para a reflexão um tema que considero essencial para o futuro do mercado e para o nosso futuro coletivo: a coesão social. No centro dessa reflexão coloquei o mercado de arrendamento, cujo papel deve ser central no acesso à habitação, em especial daqueles que não o podem fazer através do crédito bancário. Não querendo aqui reproduzir o teor desse artigo, enfatizei precisamente a necessidade de não onerar as rendas com o impacto do regime de incerteza e adversidade (ideológica) a que se têm submetido proprietários e investidores.

Nem por acaso, por coincidência, tivemos agora mesmo a evidência do quanto o mercado funciona em vasos comunicantes e de como as medidas, mesmo as tomadas com as melhores intensões, sendo dirigidas a certas camadas da população, têm impactos junto de outras, aparentemente distantes face às primeiras.

Foi o caso da subida das rendas nos novos contratos de arrendamento habitacional. Conforme o Índice de Rendas Residenciais da Ci, as novas rendas contratadas subiram 10% entre o 2º e o 3º trimestres. Trata-se de uma subida ímpar em toda a série desse índice…

O que nos diz esta variação? Põe em evidência como as medidas tomadas para proteção dos inquilinos que estão dentro do sistema (independentemente da sua situação e estado de necessidade) se traduziu num aumento dos custos para os que estão de fora ou acabam de entrar. É um clássico…

À partida, a limitação a 2% do aumento das rendas nos contratos de arrendamento é uma medida compreensível. Mais ainda quando tornada neutra, sendo compensada em sede de IRS/IRC. Contudo, nem tudo o que parece é… Desde logo para os proprietários no mercado para quem a base para futuras atualizações fica limitada a 2%, em vez dos 5,43% que resultariam da aplicação normal da lei. Importa ver que mesmo a aplicação dos 5,43% já tem implícito um mecanismo de travão, pois reflete a inflação média anual a meio do ano, em vez da inflação homóloga no final do ano, que se projeta para cerca de 10%. Ou seja, não só a Lei foi feita para impedir que a atualização das rendas refletisse integralmente as subidas na inflação como, ficamos agora todos a saber, quando a sua aplicação tem mais materialidade, é alvo de medidas ad hoc de “mitigação” dos seus impactos. Dito de outra forma: quando não há inflação aplica-se a lei; quando há inflação, não se aplica.

É de esperar que este tipo de abordagem tenha impactos nas expectativas dos proprietários? Claro que sim… Eventualmente, caso as rendas vigentes pudessem simplesmente ser atualizadas à taxa de inflação, os novos contratos gerariam rendas conforme a dinâmica normal do mercado. Já no caso vigente, perante (i) a natureza limitadora da lei, que constrange a atualização das rendas a 5% em vez de 10%, assim como (ii) a evidência de que mesmo essa atualização pode ser condicionada, com efeitos permanentes no futuro, outra coisa não seria de esperar do que a repercussão imediata do aumento futuro das novas rendas, agravando-as à cabeça, neste caso em 10%. Claro, caso a pressão do mercado estivesse a favor dos inquilinos, que beneficiariam de um vasto leque de imóveis em oferta, este tipo de impactos poderia não ocorrer. Mas esta hipótese contém uma contradição nos seus termos, já que para a pressão estar do lado da oferta, era preciso que esta fosse abundasse, precisamente em resultado da capacidade de o mercado atrair investidores e proprietários, caso em que não sofreria com o espectro de medidas limitadoras da sua confiança (como as descritas).

O mercado de arrendamento é um tema apaixonante. Uma paixão que tive o privilégio de partilhar com o Prof. José Costa, professor de Economia Urbana, Economia Regional e das Finanças Públicas, cujo trato simples e generosidade beneficiaram a Ci, integrando o respetivo Conselho Editorial, e o Prémio André Jordan, entregando graciosamente muitas e muitas horas de trabalho em prol da ligação entre a Academia e o mercado. Bem-haja Sr. Professor. Descanse em Paz.

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