Revista Capa Ci Ler Edição

EDITORIAL

[ Voltar ]
João Loureiro
João Loureiro
Conselho Editorial da Ci

Previsões económicas em tempos de incerteza

No World Economic Outlook de outubro de 2021, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previa que a taxa de inflação da Alemanha em 2022 viesse a ser de 1,5%. Sabe-se, agora que nos aproximamos do final do ano, que a taxa de inflação da Alemanha será em 2022 de cerca de 7%. Constata-se, pois, um enorme erro/desvio de previsão.

Relativamente à taxa de crescimento do PIB de Portugal em 2009, em abril de 2008 o FMI previa um valor de +1,4%. Em outubro de 2008, esta previsão foi revista em baixa para +0,1%. A posteriori, veio-se a constatar que a taxa de crescimento do PIB de Portugal em 2009 foi negativa, tendo o valor de -3,0%. De novo, um significativo erro/desvio de previsão.

Há que começar por clarificar que os dois exemplos anteriores foram cirurgicamente escolhidos para realçar situações em que existe um grande desvio entre o que se previa e o que se veio a verificar. De facto, não é frequente as previsões de uma entidade tecnicamente tão capacitada apresentarem desvios tão significativos face à realidade. No entanto, os dois exemplos servem para motivar uma questão relevante: o que está por detrás dos erros de previsão macroeconómica?

As previsões macroeconómicas elaboradas com suporte técnico assentam em modelos que descrevem o funcionamento da economia. Tal implica que, quando se fazem previsões, se tenha de assumir que o comportamento dos agentes económicos no passado se repete no futuro, já que os modelos são estimados com base em dados históricos. Tipicamente, isto não é um problema quando se fazem previsões para horizontes temporais de 1 ou 2 anos. Mas o exercício de previsão exige também que se assumam pressupostos para as variáveis exógenas. Por exemplo, quando se quer prever a taxa de inflação para o próximo ano, é necessário assumir um pressuposto para o custo médio da energia. Da mesma forma, quando se faz a previsão para o crescimento económico de um pequeno país, é necessário assumir um pressuposto para o que será a evolução da conjuntura internacional no futuro próximo, já que a mesma tem forte impacto sobre o PIB, por via das exportações.

Nos exemplos inicialmente apresentados, o erro de previsão relativamente à inflação alemã é explicado por, após realizada a previsão, o custo da energia (e de outras matérias-primas) ter disparado para valores não antecipáveis, evolução que está relacionada com a invasão da Ucrânia (também não antecipada). No caso do erro de previsão do crescimento do PIB de Portugal em 2009, tal ficou a dever-se a um fator também exógeno, não antecipável quando a previsão foi feita. Na sequência da crise financeira global de 2008 (não antecipada), ocorreu uma recessão global em 2009 que, naturalmente, afetou a atividade económica de Portugal naquele ano.

Se a previsão num cenário de normalidade (como nos dois exemplos apresentados) é um exercício com probabilidade de ocorrerem erros (porque as variáveis exógenas podem sofrer variações inesperadas), num cenário de grande incerteza, como o atual, o exercício de previsão é ainda mais ingrato, porque se sabe que as variáveis exógenas se vão alterar, mas não se sabe como. Um tal contexto exige que, para as variáveis exógenas, se considere um intervalo de valores bastante alargado, dele resultando, por sua vez, um intervalo de previsão bastante alargado para as variáveis relevantes. Mas neste caso, a previsão não tem grande utilidade porque, basicamente, o que diz é que a taxa de inflação (ou a taxa de crescimento económico) tanto pode alta como baixa. Num cenário de grande incerteza como o que atualmente vivemos, as previsões para o prazo de 1 ou 2 anos têm uma utilidade relativamente limitada, sendo necessário repetir o exercício com grande frequência, à medida que nova informação vai sendo obtida.

Apoios

Últimas Edições