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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

NÃO SE DIABOLIZE O AL. NÃO SE CASTREM AS CIDADES.

A pandemia foi um enorme desafio para o mercado de imobiliário turístico. Em todos os segmentos, desde o residencial, ao hoteleiro e ao do alojamento local. De tal forma que, na fase mais aguda da crise, em pleno confinamento, várias vozes, vindas de diversos responsáveis públicos, previram a morte deste último, considerando-o incapaz de recuperar do forte impacto financeiro que sofria e impotente para reaver a procura que se mostraria relutante em regressar ao padrão pré-covid.

Tal como agora, à luz dos riscos económicos atuais, já novas vozes ecoam o inevitável ajustamento de preços no mercado residencial, à época gerou-se uma enorme expectativa quanto à possibilidade de “finalmente” o mercado se orientar para as necessidades do mercado de habitação tradicional, promovendo a transferência de alojamentos para o arrendamento residencial.

Não se pode esperar muito de um mercado que espera vingar somente em resultado da falência de outros segmentos concorrenciais. Em todo o caso, essa tem sido a sina do arrendamento habitacional em Portugal, cujo ganho de relevância é sempre inversamente proporcional à dinâmica económica. Remontando à crise financeira, os dados da Ci mostram que já nessa altura o arrendamento funcionou de facto como porto de abrigo quer para proprietários quer para famílias, uns impossibilitados de vender, outros incapacitados de comprar.

Novamente com a pandemia, essa foi a expectativa gerada, desta vez não tendo por alvo o mercado de compra e venda, mas sim o de alojamento turístico.

Na Ci não temos dados que permitam aferir se houve transferência de fogos do alojamento local para o arrendamento. No entanto, (julgo que somos a única fonte de dados sobre o tema) podemos afirmar que sem qualquer dúvida houve uma quebra na oferta. Os dados do SIR- -Alojamento Local põem isso à evidência, pelo menos no que concerne aos fogos T0 e T1, abrangidos pelo mesmo.

No final de 2019 Lisboa contabilizava cerca de 6 mil T0/T1s no mercado de alojamento local. Já na cidade do Porto, o mercado situava a oferta em cerca de 4,1 mil unidades. Estes são número relativos aos alojamentos ativos no mercado, ou seja, fogos que estavam listados pelo menos numa das principais plataformas de reservas online e que tinham uma atividade mínima recorrente. Com a pandemia, essa oferta caiu para cerca de 2 mil unidades em cada uma das cidades. Ou seja, somente no segmento de T0/T1s, a pandemia levou à saída do mercado de cerca de 6 mil alojamentos, 4 mil em Lisboa e 2 mil no Porto. Não foi coisa pouca (deixo aqui uma nota metodológica para dizer que, com a pandemia, os critérios de classificação dos alojamentos como ativos foram revistos, dado ter passado a ser normal não haver ocupação). Estes números põem em evidência a crise que o setor atravessou. Contudo, olhando para a informação do INE relativa ao número de novos contratos de arrendamento celebrados em Lisboa e Porto, vemos que houve somente pequenas variações, sem demasiado significado. Ou seja, vemos que a redução do mercado de AL não correspondeu a um aumento no arrendamento.

Chegados a 2022, vencida a crise pandémica, começa a materializar-se o regresso à “normalidade”. Em rigor, talvez uma nova normalidade…. Por um lado, se a oferta recuperou parcialmente, posicionando-se em 3,4 mil em Lisboa e 3,1 mil no Porto, a procura terá aumentado mais, fazendo deste o melhor verão para o AL. Quer dizer, para quem esteve no AL. A pressão sentida permitiu recuperar as taxas de ocupação mas, acima de tudo, permitiu fazê-lo apesar da substancial subida nas diárias, alcançando-se um RevPar médio recorde.

Repetindo a capa desta edição, nas zonas históricas de Lisboa e Porto venderam-se noites em T0 e T1 acima dos 300 euros. Um feito histórico, que certamente promoverá um aumento da capacidade no setor.

Não se diabolize o AL. Não se castrem as cidades. Apliquem-se antes as políticas que façam todos os setores funcionar e que permitam converter a economia gerada em alavanca para a criação de mais economia e para a qualificação urbana, em favor dos residentes.

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