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EDITORIAL

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Filipe Vasques
Filipe Vasques
ISEL

Na construção também não há almoços grátis

Nos últimos dois anos, a subida dos custos de construção (CC) tem sido cada vez mais invocada como fator relevante para explicar várias dinâmicas no setor imobiliário, desde a evolução dos preços à diminuição do pipeline de construção de habitação nova. Mas será realmente assim?

Analisando dados objetivos1, constata-se que esta subida começa a ser mais expressiva no segundo trimestre de 2021, por via de inflações de dois dígitos em diversos materiais (p.e. o aço, os derivados de madeira, ou o vidro), facto que tem vindo a alimentar muitos soundbites. Porém, a variação anual homóloga dos preços da habitação2 em Portugal Continental em janeiro de 2022 foi de 13,8% enquanto no mesmo período a variação dos CC totais de habitação se ficou pelos 7,5%, tudo isto face a 3,9% de inflação do IPC. Já com o efeito da guerra, a variação homóloga dos CC em março de 2022 foi de 11,6%, mas os preços da habitação continuaram a superar esta dinâmica, com uma variação de 13,5% em Lisboa, 13,8% no Porto e 17,0% no Continente. Facilmente se vê que os preços da habitação continuam a ser muito mais condicionados por fatores de mercado do lado da procura do que pelos CC. Isto é ainda mais verdade em Lisboa e Porto onde o peso dos CC no valor dos imóveis é menor.

Ainda assim, há motivos fundados para esta agitação com o setor da construção e resumem-se numa palavra: incerteza. Para dar resposta à procura no contexto atual, a promoção imobiliária está cada vez mais dependente duma indústria da construção sobrevivente da crise financeira, com falta de capacidade e estrutura, uma sombra do que era há duas ou mais décadas. Contratar empreitadas para construção nova ou reabilitação é uma atividade de risco crescente, seja no tempo, no custo ou na qualidade. Esta é uma realidade que a recente inflação exógena só veio tornar mais aguda.

Porém, a incerteza da promoção imobiliária está longe de se resumir à construção e aos seus custos. O contexto inflacionista atual é generalizado e porventura inevitável, depois de anos de injeção de dinheiro grátis nos mercados, ainda que tenha sido potenciado por uma guerra antes do que seria esperado. Para a indústria da promoção, não interessa se o custo de desenvolvimento do produto é X ou Y, importa se o consumidor o poderá pagar e neste contexto inflacionista é difícil saber de que modo evoluirá o poder de compra. Escondidos à sombra da inflação, fatores clássicos da estrutura de valor do imobiliário como a valorização da localização (terreno), o (custo do) tempo de licenciamento, entre outros, mantêm e reforçam a sua contribuição para a evolução dos preços, condicionando a capacidade de a oferta responder à procura.

E como pode a indústria da construção evoluir para inverter esta situação? Estruturação, capacidade técnica, capacidade financeira e massa crítica são claramente respostas recorrentes, algo que se perdeu algures no passado e que importa não só recuperar, mas superar. No entanto, outros tipos de evolução são necessários e já estão muito atrasados. Evolução organizacional nos métodos, incorporando de modo efetivo conceitos como a construção Lean, para potenciar a eficiência, flexibilidade e qualidade da produção. Evolução tecnológica nos meios, privilegiando a utilização do BIM e da automatização, para otimizar a gestão de informação, compensar a falta de mão-de-obra especializada e garantir a qualidade. Mas sobretudo uma evolução de mentalidade, incorporando a conceção para a “construtibilidade”, potenciando a construção fora do estaleiro, a construção colaborativa e a entrega integrada de projetos, para permitir um foco no valor do resultado e não apenas no custo ou no tempo.

Por isso, desenganem-se os que pensam que uma evolução do sector poderá vir a baixar custos. Os ganhos de eficiência na produção vão exigir maiores investimentos tecnológicos e organizacionais, estruturas mais robustas e preparadas a todos os níveis. Esta evolução, em que têm de se empenhar todos os intervenientes, incluindo os promotores, servirá sim para garantir a qualidade, potenciar a criação de valor e diminuir a incerteza associada ao processo e resultado.

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