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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

Olhar o futuro a partir da realidade atual do mercado

A realidade atual do mercado imobiliário nacional é muito específica e deve ser observada à luz da melhor informação disponível, evitando uma dialética que, acima de tudo, espelhe as expectativas de quem produz a análise. Mesmo quando essas expectativas sejam legítimas, refletindo o sentimento de setores da sociedade que, de facto, têm sido afetados negativamente pela mesma.

Do mesmo modo, fazer uma mera colagem da crise atual às crises financeira ou pandémica pode ser um exercício espúrio, não sendo por simples mimetismo que, por o mercado ter colapsado na primeira, vai colapsar agora, ou que, tendo resistido na segunda, vai resistir agora. Até porque, talvez, uma boa parte dos fatores que diferenciam a situação atual decorrem precisamente dos impactos das crises anteriores e das suas consequências para o presente.

Seja pelo lado das famílias, do sistema financeiro ou dos operadores imobiliários.

A crise financeira teve um impacto devastador no setor imobiliário em resultado da enorme exposição das famílias e dos promotores imobiliários ao sistema financeiro, traduzido num nível de alavancagem tal que fazia do mercado e da banca nada mais do que duas faces da mesma moeda. Por sua vez, este facto é agravado pelo endividamento desta última, detendo rácios de relação entre financiamentos e depósitos muito acima do desejável.

Precisamente, desde então não só têm sido feitos esforços enormes de redução do nível de exposição a dívida como, do lado da oferta, o mercado tem sido protagonizado por uma nova geração de operadores caracterizados por uma fortíssima estruturação em capitais próprios, que desenvolvem a atividade em paradigmas de financiamento totalmente diferentes. Espelho disso foi a forma como o mercado se comportou em plena pandemia, contrariando as expectativas de então.

Pelo lado das famílias, o cenário não é muito diferente. Desde 2011 até abril de 2022, o valor de crédito à habitação em dívida passou de cerca de 125 mil milhões para cerca de 102 mil milhões de euros, reduzindo-se em mais de 23 mil milhões. Claro, este resultado adveio do exercício acumulado de amortização, acompanhado de um longo período de quase ausência de originarão de novos créditos, em especial até 2018, ano no qual essa atividade foi progressivamente retomando.

O regresso do crédito à habitação elevou os novos empréstimos em 2021 a um total de 15,3 mil milhões de euros, um valor que compara já com os anos de maior produção, no período de 2006 a 2008, nos quais em média esse tipo de financiamento atingiu uma média anual de 17,1 mil milhões de euros.

No entanto, se é verdade que a atividade de crédito tem vindo a subir, não é menos verdade que, face à dinâmica global do mercado, a mesma se tem mantido em níveis muito contidos. De facto, comparado o montante de crédito concedido com o valor total das transações compreende-se em definitivo a natureza diferente do momento atual do mercado.

Nos anos 2009 e 2010 (os primeiros para os quais há este tipo de informação), o rácio entre crédito e transações era de 76%. Pelas práticas conhecidas, é de admitir que até 2008 este rácio fosse superior… Nos anos da “troika” situou-se em 29%. Já nos últimos anos, desde 2017, a média tem sido de 50%. Essa é uma referência que se tem mantido muito estável desde esse ano, mesmo já em 2022. No primeiro trimestre deste ano foram feitas transações no valor de 8.082 milhões de euros, tendo sido gerados novos créditos no valor de 4.155 milhões de euros.

Ou seja, do ponto de vista agregado, as famílias estão pouco endividadas face ao valor dos seus ativos. Ou porque têm empréstimos já com um histórico de amortização, ou porque têm financiamentos recentes mas que, em média, não representam mais de 50% do valor dos imóveis.

Este é um dado determinante para antecipar os impactos da subida das taxas de juro. Todos os exercícios feitos simulam casos de novos empréstimos e taxas de LTV de 85% ou 90%. Mas essa não é a realidade efetiva das famílias.

É verdade que o regresso de juros a terreno positivo sucede por motivos adversos. Mas seria uma realidade mesmo sem a guerra em curso, pois decorreria da necessidade de ajustar a política monetária ao enorme volume de poupança gerada com a pandemia.

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