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EDITORIAL

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José da Silva Costa
José da Silva Costa
Professor Catedrático da FEP.UP

Classe Média, Habitação e Políticas Públicas

Embora as políticas públicas para o mercado de habitação sempre merecessem a atenção dos decisores políticos, a novidade da evolução registada nos últimos anos decorre do alargamento dos efeitos nefastos do funcionamento do mercado residencial à classe média. A internacionalização dos mercados imobiliários e as novas oportunidades surgidas na oferta turística contribuíram para valorizar o atributo localização na formação dos preços imobiliários, produzindo efeitos assimétricos na riqueza, beneficiando proprietários imobiliários e gerando filtramento para baixo nos cidadãos à procura de habitação, quer para adquirir, quer para arrendar.

Esta mudança nos mercados imobiliários gera efeitos favoráveis muito significativos no emprego, economia e competitividade das cidades. Os efeitos nefastos são, também, significativos, sentindo-se na gentrificação, no acesso à habitação pela classe média, no desaparecimento de negócios tradicionais e identidade da cidade, comprometendo a sua atratividade.

As políticas públicas para o mercado imobiliário têm de responder a estes desafios e a interesses divergentes. Simultaneamente, devem ter em conta tendências de médio e longo prazo, entre as quais incluímos a perda populacional, a sustentabilidade das cidades, e eventos marcantes como a pandemia covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia.

A saída da crise pandémica e o conflito armado na Europa geraram choques do lado da oferta com consequências na escassez e custo de matérias primas, e bens alimentares. Esses aumentos de custos têm particular impacto nos custos do setor da construção, agravando ainda mais o acesso da classe média à habitação.

Essa necessidade alargou-se a outros bens, mas agora estas políticas seletivas são insuficientes e têm de ser combinadas com instrumentos tradicionais de combate à inflação, entre as quais se inclui a subida da taxa de juro de referência por parte dos bancos centrais.

A subida do custo do capital terá impacto no investimento no setor imobiliário e também no acesso à habitação por parte dos portugueses. Num ambiente de taxas de juro a subir, políticas públicas seletivas ao nível de bonificação das taxas de juro e benefícios fiscais para aquisição de primeira habitação, políticas com bons resultados no passado, deverão ser reequacionadas.

Como sabemos, o consumo de bens duradouros é particularmente sensível às expetativas dos consumidores sobre o futuro. O conflito em curso é visto pelos Portugueses como distante e por isso não é suscetível de alterar profundamente as suas expetativas. No entanto, a incerteza associada ao prolongamento e escalada do conflito e o receio da perda de rendimento que lhe está associado pode impactar a procura residencial por parte dos portugueses, que tenderão a adiar decisões de consumo e aumentar a poupança. Um segundo impacto negativo pode ocorrer por esta via. Para lá da procura potencial que não se concretiza por falta rendimento, temos de considerar também o efeito negativo das expetativas na procura residencial.

Os estudos disponíveis sobre os mercados imobiliários em Portugal indicam que a internacionalização destes mercados e os efeitos favoráveis da procura turística são fatores fundamentais do seu dinamismo, pese embora o efeito nefasto, referido já, sobre o acesso da classe média ao bem habitação. O diferencial de qualidade de vida e custos em Portugal em comparação com os países de origem dos investidores e as oportunidades de investimento nos diversos subsetores do mercado imobiliário continuarão a ser fator decisivo do dinamismo dos mercados imobiliários em Portugal, tanto mais que a localização no extremo sul da Europa longe do conflito é uma atenuante importante evitando alteração brusca de expetativas e contribuindo para uma continuada atratividade de Portugal. Pese embora as dificuldades dos Portugueses no acesso à habitação, as perspetivas para o mercado imobiliário em Portugal são favoráveis. Mas, esta evolução não é imune a uma escalada do conflito e possíveis impactos na atividade económica e expetativas de investidores e consumidores nos países de origem dos investidores.

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