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EDITORIAL

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José Crespo de Carvalho
José Crespo de Carvalho
Professor Catedrático, Presidente ISCTE Executive Education

UMA LISBOA VOLTADA PARA A RUA

A Lisboa dos elétricos está a retirar-se. O vinte e oito, porém, continua vivo e ativo. E muitíssimo atrativo. Os miradouros e as colinas prosseguem no mesmo local. E as vistas igualmente. Podem ver-se, hoje, algumas mostras de street art nos trajetos que conduzem aos pontos de melhor visão o que confere, tão simplesmente, uma consonância coetânea.

O Castelo, a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos (não obstante as más vontades), a Basílica da Estrela ou os Jerónimos, a Casa dos Bicos ou a Ponte sobre o Tejo (as pontes) continuam a ter expressão incontornável e pontuam uma cidade que está cada vez mais sublime.

Se a luz de Lisboa é o que é, imagine-se o que se pode beneficiar dela quando a restauração, por força das circunstâncias, saiu à rua e colocou os seus pequenos bistrôs/ esplanadas todos engalanados para receber quem passa, quem fica, quem vive.

Lisboa está, não obstante as circunstâncias pandémicas, cada vez mais uma cidade de rua. Uma cidade voltada para o exterior, como, de resto, deveriam ser todas as cidades portuguesas, litorais ou interiores.

Voltar uma urbe para a rua implica dotá-la de mobilidade descomplicada, de acessibilidades simples e de formas de atingir todos os locais sem grandes engulhos de estacionamento. Verdade que convivemos com um problema de trânsito, com alguns exageros em pinos e ciclovias, com uma secundarização dos acessos pedonais e com uma luta sem quartel contra os veículos automóveis. Verdade. Mas verdade, também, que se conseguiu romper a calçada à portuguesa sem a dissipar, apondo- -lhe passadeiras de brita – piso tátil – e animar o andar das pessoas.

Voltar a cidade para a rua implica ter mais jardim e mais espaço livre para quem a vive. Se bem que possamos ficar imprecisos – e ficamos mesmo – com o número de ciclovias, ciclofaixas, ecovias e sabe-se lá mais que qualificações existem, sejam verdes, bordeaux, amarelas, pretas ou da cor do próprio pavimento – alcatrão ou outro – a verdade é que granjeámos alguma mobilidade pela reconversão da calçada à portuguesa em piso tátil e pela utilização de bicicletas e trotinetas em contexto pedonal e de veículos. Tem os seus senãos, também verdade. E esses senãos são muito daquilo que é o hiperbolização trazida por depressa se ter passado do oito ao oitenta e por haver uma regulação lastimável sobre circulação que não seja automóvel.

E, na circulação automóvel, lamenta-se a escassez de parqueamento e as dificuldades impostas por muitíssimas novas barreiras à mobilidade automóvel. Mas saúda-se, expugnação importantíssima, os parques para motos que se vão verificando em praticamente todas as ruas.

No parque edificado há melhorias substanciais, reconversões, renovações e edifícios antigos que estão totalmente reabilitados e com condições fantásticas em termos de modernização. De resto, basta andar por Lisboa para se compreender que uma quantidade não despiciente do parque edificado está em obras, vai entrar em obras ou esteve em obras. Já na construção nova, vai existindo alguma oferta interessante, sobretudo com tipologias acanhadas mas centrais e com características energéticas superiores.

A oferta hoteleira eclodiu. A oferta de AL já esteve muito bem mas tem sofrido duros golpes, diga-se desnecessários, porquanto o mercado teria sempre tendência ao ajustamento. A oferta hoteleira pode ver-se a braços com o que poderá sentir como concorrência desleal. Não obstante, a oferta continua a ser baixa e a hotelaria não chega para servir a procura.

Lisboa tem uma oferta multifacetada, do MAAT ao Oceanário, das estações de metro (com arte) à própria street art, dos museus à frente ribeirinha, das ruas e vielas do Bairro Alto à contemporaneidade da Expo e de uma zona oriental renascida.

Lisboa, de Marvila a Belém, de Alfama ao Lumiar, da Madragoa à Ajuda é hoje uma cidade diferente. Mais cosmopolita, mais pessoal, mais humana. Faltam desnivelamentos, aproveitamentos pedonais, jardins, campos de jogos, estacionamento, mobilidade automóvel. No global, porém, Lisboa joga taco a taco com as melhores capitais europeias e não lhes fica atrás.

All in all, Lisboa é hoje uma cidade mais voltada para a rua. E isso é decisivo para o seu progresso e a sua humanização.

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