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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

DADOS ERRADOS, POLÍTICAS ERRADAS

A relação entre o mercado de imobiliário turístico e o acesso à habitação tem sido alvo de enorme atenção, havendo a perceção de que a responsabilidade do aumento de preços se deve a esse setor, prejudicando a capacidade aquisitiva das famílias portuguesas.

É evidente que o surgimento de novas fontes de procura teve impactos no valor dos imóveis. Em especial dado as atividades associadas procurarem as zonas de maior valor intrínseco e com maior atratividade patrimonial e histórica. É o caso do alojamento local.

Do mesmo modo, é inquestionável que o rendimento gerado neste setor permitiu o pagamento de rendas mais elevadas, sendo à exaustão sabido que essa foi uma das principais alavancas para a reabilitação urbana, que era um desígnio e uma urgência nacional.

O alojamento local é um setor mal-amado. Estorva, compete, incomoda. No entanto, é uma atividade que viabilizou uma profunda revolução nas cidades (primeiro de Lisboa e Porto e, depois, em muitas outras), arrastando atrás de si vários setores, desde os serviços, ao comércio, à indústria e à cultura, que beneficiaram da onda de turismo e crescimento económico decorrente.

Talvez pela errância das políticas públicas com impacto nessa atividade, ora incentivando agressivamente, ora congelando e criando zonas tampão, as expectativas dos agentes foram sendo fortemente condicionadas, pondo em causa a sua confiança quanto à liberdade de entrar e sair do mercado, alternando com outros usos, desde logo habitacionais. Por esse facto, assim como pelas barreiras fiscais à saída e a ausência de barreiras à manutenção dos registos junto do Turismo de Portugal, a verdade é que o número de fogos legalmente habilitados ao exercício do alojamento local (com RNAL) foi crescendo ao longo dos últimos anos, acumulando um histórico que comporta todas as unidades que alguma vez estiveram no mercado, incluindo as que já não estão à data (e mesmo algumas, imagino, que nunca tenham estado).

Assim, olhar para o mercado tendo por base o número de fogos com registo (RNAL) é como olhar para o setor automóvel incluindo as viaturas que estão na sucada. De facto, conforme os dados publicados pela Ci vêm comprovar, há uma enorme diferença na perceção da dimensão desse setor quando o mesmo é medido pelos registos ou pelo volume de fogos realmente ativos no mercado.

Desde 2019 a Ci monitoriza os alojamentos listados nas plataformas Airbnb e Booking, de molde a determinar parâmetros relativos à taxa de ocupação, diárias, revpar, etc, com foco nas cidades de Lisboa e do Porto. Desse trabalho, que dá origem ao sistema SIR-Alojamento Local, resulta igualmente a avaliação da situação concreta de cada alojamento, identificando-se se está listado nessas plataformas e se, estando, apresenta níveis de atividade ou está, aparentemente, adormecido. Assim, cruzando esses dados com os do Turismo de Portugal, temos a noção clara dos alojamentos que: (i) têm RNAL mas não estão listados nas plataformas (logo não estão ativos), e que (ii) estando nas plataformas não têm sinais de atividade (a impondo-se para os últimos 12 meses a existência de registos de ocupação e um mínimo de 6 reviews). Ora, já antes da pandemia o fosso entre o mercado formal (com RNAL) e ativo era enorme. Em dezembro de 2019 estavam registados cerca de 19 mil alojamentos em Lisboa e 8 mil no Porto. Contudo, ativos estavam somente 8,8 mil em Lisboa e 4,1 no Porto. Menos de metade!

Chegados a julho deste ano, ainda em pandemia, o número de alojamentos ativos caiu para 2,7 mil em Lisboa e 2,3 no Porto. Menos de 30% do número de registos…

Não se pode debater o alojamento local e o seu impacto nas cidades e no acesso à habitação sem conhecer estes números… Perante esta realidade rapidamente se compreende que a questão é muito mais complexa e que apontar a este mercado é puro populismo… Mesmo que, como dito acima, seja evidente o seu efeito nos preços.

Se a proposta era congelar um mercado que, afinal, está longe de ter os níveis que se imagina, os resultados seriam colher os malefícios (em emprego e criação de riqueza) sem obter os benefícios. Políticas públicas certas dependem de informação certa…

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