Com um crescimento de 20% face ao patamar “pré-covid”, os mais recentes números do novo pipeline imobiliário residencial vêm uma vez mais surpreender, confirmando o vigor do mercado num contexto tão adverso para o investimento.
Como é sabido, contra todas as expectativas, o mercado residencial enfrentou a turbulência de forma serena, com estabilidade nos preços e boa capacidade de recuperação nas vendas. Os agentes, interpretando a crise pandémica como um evento não estrutural e num quadro de forte resposta pública, via moratórias, mantiveram as suas posições, não cedendo ao curto-prazo.
Mas, se há setor que não opera no curto-prazo é o da promoção imobiliária, operando antes em ciclos longos (ou muito longos), com uma forte inércia que determina uma elevada lentidão de movimentos quer na fase de arranque/idealização de projetos, quer na de concretização.
A “inércia imobiliária” poderia ser um dos fatores que explicam o comportamento recente do mercado… No entanto, essa seria uma tese insuficiente para explicar a diferença entre o desempenho atual o registado ao longo da crise financeira, durante a qual o setor simplesmente congelou…
Sem me reter nas motivações, proponho um olhar sobre a estrutura desta nova dinâmica.
Novamente em contraste com a crise anterior, que afetou mais do que proporcionalmente as periferias, este novo pipeline é desconcentrado geograficamente. Na Área Metropolitana de Lisboa, a capital não só perdeu quota como teve mesmo uma descida nas intenções de investimento, o mesmo sucedendo na região do Porto, com a Invicta a cair 16% face à média de 2019. Ao mesmo tempo, a par do aumento da atividade em cidades secundárias, verificou-se uma maior orientação do mercado para o segmento de moradias unifamiliares, cuja taxa de crescimento foi o dobro da observada no caso dos apartamentos.
Este padrão veio reforçar a tendência anterior de aumento da quota da construção nova, em detrimento da reabilitação, que viu o seu peso em novos fogos reduzir-se para apenas 17%.
Estes traços são ainda relativamente embrionários. Lisboa é ainda o maior mercado da promoção imobiliária. A construção em altura representa ainda mais de metade do total de novos fogos. Mas, lentamente, as tendências começam a definir-se, apontando para uma dinâmica urbana nova, desconcentrada e esparsa.
A desconcentração do mercado já era uma tendência que vinha detrás, entre outros motivos em resultado da orientação da política de habitação para a reabilitação urbana, empurrando a promoção nova para geografias mais baratas, nas periferias. Agora, com a pandemia, ganha um fôlego adicional, mercê da procura de um novo ideal de “cidade-rural”.
Pode haver quem ache que está é uma ótima oportunidade para o interior. Mas, do meu ponto de vista, não é evidente que as famílias venham ocupar as casas vagas no meio rural… Mais depressa ocuparão casas novas, moradias se possível, contribuindo para o agudizar dos desequilíbrios do mercado, com efeitos perversos de sustentabilidade e na geração de novas necessidades de equipamentos e infraestruturas…
Se assim for, torna-se essencial redefinir a política e reorientar os instrumentos de atratividade no sentido do ganho de atratividade das cidades, independentemente do tipo de obra (nova ou reabilitação). A famosa cidade dos 15 minutos só é possível através da densificação inteligente das cidades. Essa densificação deve assentar em construção de média altura, com libertação e qualificação de espaço público e, em simultâneo, máxima rentabilização dos equipamentos e infraestruturas. Seja via obra nova ou via reabilitação.
Compreende-se que tenha havido o momento da reabilitação. Mas hoje, é o momento da densificação, dando competitividade às cidades e combatendo a nova tendência para dispersão, num registo de descentralização esparsa. Novos PDMs, como por exemplo o do Porto, apontam neste sentido. Mas necessitam de ser apoiados pelo quadro legislativo nacional, desde logo alargando à construção nova os estímulos fiscais e os programas de habitação acessível atualmente adstritos à reabilitação.
Hoje, mais do que nunca, a premência da densificação deve sobrepor-se à da reabilitação.