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EDITORIAL

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Ana Paula Delgado
Ana Paula Delgado
Porto Business School

PRR FINANCIA PRETENSÃO DE REGULAÇÃO DO MERCADO PELO LADO DA OFERTA

Nos últimos anos tem-se observado uma viragem nas políticas públicas de habitação, com uma mudança de paradigmas, promovendo o arrendamento e a reabilitação urbana em vez da habitação própria e a construção nova.

Quer o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) quer o recente relatório da OCDE sobre a habitação¹ reconhecem que há, por um lado, um número significativo de agregados familiares a residir em habitações em más condições e, por outro lado, um severo desajustamento entre os rendimentos médios das famílias e os preços (rendas) de mercado. Nas famílias de menor rendimento os encargos com a habitação rondam, em Portugal, 40% do rendimento disponível, no caso dos agregados em situação de arrendamento, e cerca de 25% no caso dos agregados proprietários (OCDE, 2021).

O desajustamento entre a resposta do mercado (a oferta de habitação) e as condições de acesso das famílias à habitação, que ocorre não apenas para as famílias de baixo rendimento (às quais se dirige o parque público de habitação) mas também para as famílias de médio rendimento (por esse mesmo facto excluídas do acesso ao parque público de habitação) é particularmente agudo em territórios de elevada concentração de atividades económicas e emprego (nas grandes áreas urbanas). O problema não é novo e deriva dos fundamentais do mercado: as grandes áreas urbanas conhecem uma forte pressão da procura residencial e comercial que se reflete nos preços, expulsando as famílias de menor rendimento para a periferia, com o consequente alongamento dos fluxos pendulares e efeitos negativos em termos de bem-estar individual e coletivo e sustentabilidade.

O PRR prevê um investimento em habitação de cerca de 2.733 milhões de euros, aos quais se deve acrescentar 300 milhões de euros relativos à componente de eficiência energética em edifícios residenciais. Cerca de quarenta por cento desse valor está alocado ao Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, que visa resolver as carências habitacionais de pelo menos 26.000 famílias até 2026. Concretizando-se via acordos de colaboração entre o Estado e as Autarquias Locais, o programa prevê a reabilitação ou aquisição de frações e edifícios residenciais mas, também, a construção nova, para fins residenciais. Sem que se vislumbre em que situações a construção nova é admitida, o futuro nos dirá se as estratégias locais de habitação respeitaram, ou não, a prioridade à reabilitação de edifícios e urbana, inscrita nos documentos que estabelecem as linhas mestras da política pública de habitação.

O quadro de definição das políticas e investimentos públicos em habitação aponta também para a necessidade de reforço da importância da oferta de habitação de interesse social no stock de habitação, quase que duplicando a sua expressão em termos percentuais. O montante de investimento previsto, ronda os 775 milhões de euros, utilizando a vertente empréstimo do Instrumento de Recuperação e Resiliência. Procura-se adequar a oferta aos rendimentos das famílias de classe média, promovendo o arrendamento a preços acessíveis. Estima-se que o montante de investimento previsto permita reabilitar 75% do património imobiliário devoluto do estado com aptidão para uso habitacional.

Idêntico desiderato está subjacente ao programa de criação de alojamento estudantil a preço regulado, que mobiliza sobretudo imóveis devolutos do estado, municípios e instituições de ensino superior. Com um investimento previsto de 375 milhões de euros, sob a forma de empréstimo, visa disponibilizar, até 2026, cerca de 15.000 camas.

As medidas de política de habitação acima referidas apontam para uma nova forma de regulação do mercado, pelo lado da oferta, forçando a adequação dos preços aos rendimentos das famílias, pela via de um ajustamento descendente daqueles, num horizonte temporal de cinco anos. Num momento em que começam a soar alguns (tímidos) alertas para um sobreaquecimento dos preços no mercado imobiliário, é necessário analisar, com rigor, os efeitos das medidas de política pública sobre os diferentes segmentos do mercado, com especial atenção para as principais áreas urbanas.

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