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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

A PANDEMIA LAVROU O TERRENO PARA O 5G

Tal como sucedeu no mercado residencial, a pandemia afetou o imobiliário comercial de forma mais visível no segmento de arrendamento do que no de investimento/transação.

Dito agora já não surpreende que, neste caso, tal como no do mercado residencial, apesar do clima totalmente adverso do ponto de vista da mobilidade (que molda a capacidade das partes se encontrarem para concretizar negócios) e do ponto de vista das expectativas (que moldam a vontade das partes se encontrarem para concretizar negócios), o ano 2020 foi surpreendentemente positivo, atingindo um volume total de 2.900 milhões de euros investidos em ativos comerciais, dos quais 77% protagonizados por investidores internacionais. Ficou abaixo de 2019, mas esse foi um ano recorde, com mais de 3,4 mil milhões transacionados, um valor, esse sim, totalmente excecional.

E, novamente de forma surpreendente, foram os setores inquestionavelmente mais afetados pela pandemia, designadamente os de retalho e de escritórios, aqueles que foram mais procurados, concentrando cerca de dois terços da atividade de investimento.

Talvez como efeitos mais evidentes da pandemia se possam referir (i) a maior concentração dos investimentos na cidade de Lisboa e (ii) a redução do ticket médio respetivo, que passou de 50,5 para 34,7 milhões.

A rentabilidade das carteiras, segundo os dados do IPD-MSCI, foi de -0,3%, «proveniente das rendas de 4,1% e uma valorização do capital de -4,2%». A depreciação dos ativos, apesar de ser um revés, uma vez mais não espelha o quadro vivenciado, mais ainda ao ser explicada pela subida das yields, um facto que abre a porta a uma recuperação de preços caso se confirme a expectável mudança de clima económico e a recuperação da confiança, resultantes do sucesso no combate à pandemia e dos progressos na caminhada para a imunidade de grupo, pilares essenciais para o relançamento da economia.

Ora se, como referido, o apetite do lado dos investidores se manteve robusto, a verdade é que do lado da dinâmica da ocupação a realidade foi mais penalizadora. Em concreto no mercado de escritórios, tendo por base o LPI – Lisbon Prime Index, Lisboa viu o take-up descer 29% em 2020, totalizando 138 mil m² arrendados. Apesar da descida, trata-se de um valor que compara positivamente com a média dos últimos anos. Mesmo que de forma menos vincada, o mesmo sucedeu na cidade do Porto, onde o PPI assinala uma quebra anual de 17% na ocupação de escritórios.

Com as rendas estáveis, a confiança na recuperação da procura é uma nota que os números do novo pipeline de escritórios em carteira evidenciam. De acordo com os dados do Pipeline Imobiliário, em 2020, na região de Lisboa entraram em carteira 221 mil m² de escritórios, superando o registo de 187 mil m² de 2019. Na região do Porto, o novo pipeline de 2020 ascendeu a 92 mil m², largamente acima dos 53 mil m² de 2019, um registo que chega a ser superado desde logo pelo pipeline de janeiro a abril de 2021…

Não há que ter medo das palavras: Portugal pode ser um ganhador líquido dos efeitos da crise pandémica na dinâmica da procura imobiliária. Seja comercial, seja residencial. Não por qualquer aspeto específico relacionado com o vírus em si mas pela aceleração na revolução tecnológica em curso e, acima de tudo, pela súbita generalização da predisposição para a mudança. O vírus passará (ou as suas consequências passarão). Mas a revolução digital veio para ficar, potenciada pela abertura das mentes e por outro fator ainda pouco visível: a chegada do 5G.

Talvez sem a pandemia o 5G demorasse anos a produzir os efeitos que pode induzir nas relações comerciais e laborais. Sobre um terreno lavrado, a aceleração nas comunicações abre cenários com potencial totalmente disruptivo do ponto de vista dessas relações.

É uma oportunidade para territórios com a natureza geo-política de Portugal. Um território que pode atrair muito capital humano, empresas e investimento. Mas é um desafio precisamente para os setores do retalho e dos escritórios relativamente aos quais há efeitos de sinal contrário cujo saldo está por determinar.

Contra a minha expectativa inicial, acredito que pandemia irá alterar profundamente estes setores, não por decorrências relacionadas com a saúde pública, mas pelo efeito acelerador dos impactos da revolução digital em curso.

Não sou dos que acreditam num mundo virtualizado. Mas em que acreditarão os meus filhos?

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