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EDITORIAL

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Manuel Puerta da Costa
Manuel Puerta da Costa
Conselho Editorial da Ci

O MERCADO COM TEMPO PARA SANAR

O tempo é um fator essencial na análise de todos os investimentos: mobiliários ou imobiliários. Ter tempo é uma condição essencial no retorno futuro. Mais tempo gera, em geral, maiores remunerações, mas também traz maiores riscos do imprevisível.

Estejamos na presença de uma decisão de investir em acções, em obrigações, num imóvel, num fundo de Investimento ou num ETF - para nomear algumas das possibilidades que nos colocamos normalmente - o fator tempo, ou seja, o horizonte temporal que temos pela frente, não é inócuo para o resultado final por duas ordens de razão:

a) porque normalmente o investidor só trocará a decisão de consumir imediatamente os Euros que detém se, com a aplicação de poupança realizada, puder ao longo do tempo vir a ter mais euros para consumir no futuro, e

b) se o tempo que transcorrer não for demasiado “demorado” para suprir quaisquer outras necessidades que possa vir a ter nesse período.

Daí o papel que a taxa de Juro ou retorno esperado têm: servem de remuneração para trocar a utilidade de comprar hoje (consumir) pela utilidade de vir a comprar mais tarde (poupar) através do mecanismo de aplicação da poupança. Por isso existe uma penalização (explícita ou implícita) das mobilizações de investimentos antes do prazo acertado entre partes: quantos investidores não venderam uma acção, um imóvel ou uma obrigação demasiado cedo porque precisavam de liquidez, apesar de não terem atingido os horizontes temporais que se propunham?

Dar tempo ao mercado, permitindo aos credores (os detentores de dívida) receber mais tarde um valor de juros e capital que deveriam receber, é o equivalente a colocar uma taxa de juro nula (ou negativa) na poupança, ie, torna-se num incentivo ao consumo. Por isso, todos aqueles que não perderam rendimento durante a Pandemia e que, como aconteceu com todos os empregados do Sector do Estado e de algumas áreas privadas, continuaram a receber os seus rendimentos regulares (professores, juízes, magistrados, médicos, enfermeiros, polícias, etc...) e que, em simultâneo, decidiram beneficiar-se das moratórias em virtude das decisões governamentais ou bancárias acabaram por ter um incentivo ao consumo de uma escala sem precedentes durante os últimos 12 meses.

De acordo com os dados do Banco de Portugal, as famílias acederam a créditos em moratória, independentemente do seu escalão de rendimentos e da sua situação laboral, que atingiram mais de 20.000 milhões de Euros, para cerca de 391 mil particulares (10% das famílias portuguesas, de acordo com os Dados da Pordata de 2011): um valor médio de cerca de 51 mil euros per capita de crédito em moratória. Algo que parecerá a muitos um valor elevado (5 anos de rendimentos médios), mas que devido à dimensão atual das taxas de juro, dos sistemas de scoring implementados em colaboração com a supervisão no crédito ao consumo e no crédito à habitação e à situação laboral destes agregados, representará valores relativamente pequenos de juros e muito provavelmente com uma dimensão de risco na população endividada abaixo da que tivemos na anterior crise do Euro. Um mercado com tempo (para pagar as futuras prestações de crédito) terá mais implicações numa redistribuição ao longo do tempo entre o consumo e a poupança e menos implicações nos níveis de incumprimento que muitos temem.

Um mercado imobiliário que tem tempo, porque as taxas de juro são baixas, porque as moratórias são usadas por quem tem capacidade de consumo e onde os níveis de incumprimento (e de execuções) são globalmente baixos devido ao próprio recurso às moratórias, é um mercado que estará dependente de expectativas futuras de crescimento económico e das perspectivas acerca da inflação. E, neste contexto, o que o mercado internacional tem vindo a mostrar é que face à gigantesca expansão monetária registada nos EUA e na Europa fruto da política seguida pelo FED e pelo BCE existirá, nesta fase, um risco elevado da inflação vir a subir: não de forma dramática, mas para patamares mais elevados do que os de anos recentes. E todos sabemos que tipos de ativos são os mais resilientes em contexto de crescimento inflacionário, não sabemos?

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