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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

TURISMO: DO “CAPITAL IMAGINÁRIO” À COESÃO

O furacão Covid-19 teve por epicentro os centros históricos de Lisboa e Porto. Antes desse desastre natural, contudo, esses centros eram os protagonistas de um ciclo ímpar da história económica nacional… Motores da reabilitação, alavancas do investimento, propulsores da valorização e palco da geração de emprego.

A partir deles fomos confrontados com um novo Portugal, atrativo, aprazível, vibrante e capaz de ser o epicentro mundial das indústrias que lideram a nova revolução digital, como testemunham eventos como a Websummit, só possíveis porque a nova geração de jovens líderes e empreendedores estava sequiosa de vir conhecer e experimentar esta nova realidade cosmopolita, cheia de história, tradição e cultura, emersos num clima garantidamente ameno e solarengo, banhados por mar e rio. Um cabaz sem par...

A geração de emprego, desde logo qualificado e bem remunerado, resulta da atração de empresas, preferencialmente de setores em crescimento e orientadas para os mercados internacionais. Mas estas, para considerarem um destino como elegível, necessitam de ter uma perspetiva positiva quanto à disponibilidade de mão-de-obra com qualificações compatíveis com as suas necessidades, optando por geografias que sejam capazes de atrair recursos a nível internacional, em especial se a base doméstica for limitada (como é o nosso caso).

Por isso o imaginário das cidades é determinante para o seu sucesso. Dele depende o seu magnetismo para atrair talentos, a matéria-prima essencial para as novas indústrias, sem a qual está-se fora do radar do investimento e, logo, da geração de emprego.

Ninguém acredita que a Websummit alguma vez teria lugar na velha Lisboa, abandonada e degradada… Sem imaginário, feita só de desencanto…

Ora, faça-se justiça, qual foi ponto de partida, o racional primordial, do qual resultou, em cadeia, toda a revolução descrita? O turismo, sem dúvida… Foi do turismo que veio o financiamento que transformou os centros das cidades de Lisboa e do Porto, de cuja experiência resultaram decisões posteriores de investimento por parte de muitos internacionais ou de escolhas de residência por parte de muitos outros, cimentando a tradução do território em valor.

O ritmo acelerado desse processo de transformação justificou o emergir de cuidados quanto aos efeitos negativos da crescente pressão sobre as cidades e gerou a margem para o lançamento de instrumentos financeiros para amenizar os efeitos da tensão do mercado sobre um tecido social debilitado, anteriormente o único habitante desses centros desolados.

Nesse quadro, a criação da taxa turística, apesar da contestação inicial, revelou-se ser um bom instrumento de gestão da “pegada turística”. O clima vivido justificava e permitia o lançamento de medidas de gestão do crescimento. Isso, não obstante se poder questionar se caberia ao turismo “pagar” essa conta. Na verdade, se o turismo teve de assumir os custos das externalidades negativas que acarretou, não foi beneficiário das externalidades positivas que produziu. E foram muitas, a principal das quais foi trazer a Lisboa e Porto milhões de pessoas que levaram para casa e semearam o “capital imaginário” que atraiu depois talentos, empresas e emprego.

A Covid-19, no entanto, veio alterar drasticamente o cenário. De pilar da economia, o turismo saltou para o olho do furacão sendo, de todos, o setor mais afetado.

Esse desastre natural empurrou para a inatividade 47% dos T0 e T1 que estavam no mercado em Lisboa e 34% no Porto, num total de mais de 4,5 mil alojamentos. A redução dos fogos no mercado não foi suficiente para os que permaneceram, tendo a quebra de mais de 80% no número de noites vendidas empurrado a respetiva taxa de ocupação para 10% e o RevPar para os 7 euros, 80% abaixo de 2019. Assim, a ausência de atividade remeteu a taxa turística para um lugar simbólico, irrelevante. É desse lugar que a sua suspensão, diria por uns três anos, teria um valor simbólico, esse sim, relevante, traduzindo a aposta das cidades na recuperação do seu “capital imaginário”. Essencial para a coesão do seu território.

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