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EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

ANTES DE PENSAR O MERCADO VEM O PESAR PELAS VIDAS PERDIDAS…

O ano 2020 foi um teste ao mercado, com tanto de inesperado na origem como na resposta observada.

A primeira reação de todos os agentes foi a de antecipar uma quebra abrupta de preços, entrando-se numa espiral de desvalorização que reverteria os ganhos anteriores. Do meu lado, foi isso mesmo que pensei, antecipando que o mercado faria rewind, prevendo que faria depois um novo forward, recuperando em pouco tempo as perdas que se vislumbravam inevitáveis.

Na verdade, nada disso sucedeu. Os dados que fomos publicando ao longo do ano mostram a confiança que os operadores mantinham nos níveis de preços alcançados, com o índice de preços nacional a fechar o ano 1,8% acima do patamar pré-covid, em fevereiro. A quebra mais visível sucedeu relativamente ao número de transações mas, mesmo neste caso, com uma recuperação logo após o lockdown do 2º trimestre. No cômputo total, a previsão da Ci, com base no SIR, é de uma quebra total de apenas 8% face a 2019, um número a todos os títulos notável para o contexto no qual o mercado operou. Já o referi outras vezes e reitero, é um desempenho que beneficia da capacidade de superação por parte dos agentes, que tiveram de reinventar a sua forma de atuar e manter ao máximo a sua atividade. Por outro lado, beneficia da perspetiva de muitos pequenos investidores que viram no imobiliário o único local “seguro” para as suas poupanças.

Mas estes resultados agregados escondem grandes assimetrias entre segmentos e localizações. Destaco, por exemplo, Oeiras, onde o mercado valorizou 16%, eventualmente beneficiando do mix de proximidade/refúgio que oferece face a Lisboa. Em contrapartida, no extremo oposto, pode citar-se o caso do Centro Histórico do Porto, onde não só os preços caíram como a atividade quase congelou, traduzindo a sua situação específica de elevada dependência do turismo.

Conforme destacado nesta edição, as grandes mudanças fizeram-se sentir no arrendamento. Em especial em Lisboa, onde o valor das rendas contratadas teve uma descida homóloga de 16,8% no final de 2020. O arrendamento já tinha mostrado ser a câmara de compensação em tempos de crise. Foi assim em 2008, é assim agora. Pode querer tirar-se todas as conclusões sobre a queda das rendas. Desde logo quanto à pressão que põe sobre os preços. Pode querer vislumbrar-se o recrudescimento do mercado de arrendamento, com os preços (finalmente) a ajustarem ao rendimento das famílias. No entanto, está-se perante um mecanismo bastante simples. Trata-se apenas da compra de tempo por parte dos proprietários, expectantes de que a recuperação se faça em algum momento, vencida que esteja a pandemia. Isso explica que o aumento da atividade no arrendamento não esteja a traduzir-se num sucesso claro dos programas municipais de rendas acessíveis, dado estes (compreensivelmente) requererem um vínculo temporal que está para além daquele que os proprietários estão disponíveis para assumir.

Chegados aqui, o que há pouco tempo eram certezas tornaram-se agora incógnitas. O novo ciclo pandémico, com um confinamento prolongado vem uma vez mais testar a resiliência do mercado. Pede-se a todos os intervenientes que mergulhem numa nova onda antes de terem tido tempo de encher de novo os pulmões com ar. Vai ser mais difícil manter os níveis de atividade, desde logo pelo acentuar dos efeitos nefastos da pandemia na economia global. Em contrapartida, contudo, talvez todos sintam que o esforço possa compensar dado, desta vez, ao contrário da primeira, já se saber ter uma perspetiva clara da dissolução da pandemia, com a vacinação.

Mas, num tempo tão duro e com consequências tão dramáticas na vida coletiva portuguesa, numa altura em que somos o epicentro da pandemia, o essencial passou a ser algo tão básico como sobreviver. Não só nós, que nos vemos fora dos grupos de risco, mas os nossos pais e avós, cuja vida merece todo o nosso empenho. Essa é a nossa missão imediata. É nela que nos devemos concentrar, sem regatear esforços e com total respeito por todos os heróis, desde logo os profissionais da saúde, que na sua atividade se arriscam pelo bem comum. Antes de pensar o mercado, importa sobreviver, deixando aqui um voto de pesar por todas as vidas perdidas.

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