Revista Capa Ci Ler Edição

EDITORIAL

[ Voltar ]
Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

MERCADO. BANCA. FAMÍLIAS.

No quadro atual, marcado por uma elevada incerteza decorrente da pandemia Covid-19, ao contrário do que se poderia admitir como provável, os promotores imobiliários não têm em perspetiva suspender os projetos em curso havendo antes, enquanto estratégia em contexto de crise, um quase total consenso no sentido da conclusão dos mesmos.

Esse é um dos principais resultados do último Portuguese Investment Property Survey, um inquérito de sentimento e expectativas realizado pela Confidencial Imobiliário, em parceria com a APPII – Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários.

De facto, olhando para esses dados, assim como muitos outros, para quem observa o mercado tem havido muitos sinais novos quanto ao impacto da(s) crise(s) no setor, emergindo um “novo normal” que aponta para um padrão muito distinto do registo de ciclos anteriores, no quadro dos quais toda a incerteza ou instabilidade se traduzia em rápida e vincada quebra de preços e congelamento da atividade.

Voltando ao survey, é revelador o facto de, mesmo no atual quadro e já depois de seis meses em pandemia, o principal obstáculo à atividade assinalado pelos promotores imobiliários ser a burocracia, desde logo ao nível do licenciamento de obras. O maior problema dos operadores não são os receios decorrentes do quadro macroeconómico (que surgem em segundo lugar), sendo antes os entraves administrativos à prossecução da sua atividade. É, para mim, um resultado inesperado. É “novo”, não tendo eco no “velho normal”…

Faz sentido? Que diferença face a 2008…

Ora, a atual resistência do setor face a embates não será só uma mera obstinação. Resultará antes da conjugação de vários ingredientes que alimentaram o ciclo de mercado anterior e moldam o momento atual.

O primeiro de todos será a relação com a Banca.

Como fica patente, esta crise não opõe o sistema financeiro e o mercado imobiliário. Prova disso é a já consumada recuperação do ritmo de concessão de crédito à habitação que, após ter baixado de uma média mensal de 885 milhões de euros em 2019 para 830 entre abril e junho de 2020, em julho já superou o registo de 2019, atingindo os 931 milhões.

Em paralelo, até à data, a análise de risco por parte do sistema financeiro, tem confirmado a perspetiva dos promotores imobiliários. A manutenção de baixos níveis de incumprimento, o elevado grau de pré-vendas e o mais elevado nível de compromisso destas últimas, com sinais relativamente relevantes, não só permitem uma perspetiva de normalidade como, precisamente, obrigam ao cumprimento dos compromissos de todas as partes, “entregando a carta a Garcia”. 

Mas este elã tem, como é evidente, os seus desafios.

São sabidos os mecanismos suavizadores do impacto da crise que resultam de medidas de apoio à economia, com destaque para as moratórias de crédito e para o layoff. No curto prazo, estas medidas tiveram um efeito positivo na situação das famílias e das empresas. Mas tiveram-no também enquanto mecanismos amortecedores junto do sistema financeiro.

Que futuro nos aguarda?

Até certo ponto estamos reféns das circunstâncias. Mas, em boa medida, muito está também nas nossas mãos, sendo que, antes de mais, nos compete decidir que caminho pretendemos prosseguir, que visão temos para o País e para o seu futuro.

Os resultados do novo Índice de Volume de Vendas a Internacionais mostram uma quebra trimestral de 49,6% no número de casas adquiridas por compradores estrangeiros em Lisboa.

Os bairros da Baixa Pombalina, do Chiado e da Av. da Liberdade são dos mais afetados, mantendo no 3º trimestre de 2020 uma trajetória de redução da procura, ao contrário de outras zonas de Lisboa que começam a recuperar, mesmo que mantendo-se abaixo dos patamares pré-covid. Pode ser só espuma e este padrão inverter-se. Mas é fácil compreender que os mercados mais orientados para o exterior são os mais condicionados pelas restrições na mobilidade.

Se para a Política Pública essa for uma boa notícia, temos um caminho. Se for uma má notícia temos outro. Mas não podemos ignorar o efeito dominó que poderá advir da quebra dos pilares de valor do mercado. Mercado. Banca. Famílias.

Apoios

Últimas Edições