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EDITORIAL

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João Loureiro
João Loureiro
Conselho Editorial da Ci

A credibilidade do euro

Dois dos impactos relevantes da crise pandémica que vivemos são (serão) o desemprego e desequilíbrio das contas públicas, dada a forte contração de receitas (por erosão da base tributária) e o aumento da despesa, nomeadamente despesa nos serviços de saúde, transferências da segurança social e medidas de recuperação económica.

É neste quadro que tem vindo a ser requerida a intervenção do Banco Central Europeu (BCE), essencialmente com dois propósitos. Por um lado, atuar sobre a atividade económica, através de políticas monetárias convencionais de gestão da procura, nomeadamente através da redução das taxas de juro diretoras do euro e através da criação de mais moeda, a ser cedida aos bancos comerciais. Por outro lado, apoiando o financiamento das contas públicas dos países da Área do Euro, por via da aquisição de títulos de dívida pública.

A ação do BCE está, contudo, sujeita a relevantes restrições. No que respeita à política monetária convencional, a margem de manobra do BCE é muito limitada. Na sequência da crise financeira de 2008, da crise económica de 2009 e das crises de dívida pública iniciadas em 2010, a taxa de juro das operações principais de refinanciamento tem já, há bastante tempo, o valor de zero. Provavelmente, teria sido melhor tê-la subido um pouco há dois ou três anos e haveria agora alguma margem para ajustamentos em baixa. Por outro lado, o BCE pode ceder ainda mais liquidez aos bancos comerciais mas, na sequência da crise económica decorrente da pandemia, os riscos dos bancos aumentaram substancialmente, pelo que a margem para aumentarem exposições será limitada.

No que respeita à compra de dívida pública por parte do Eurosistema, existe o tema da legalidade da monetização dos défices, ainda recentemente levantado (de novo) pelo Tribunal Constitucional alemão. Evidentemente que o BCE pode continuar a argumentar que as aquisições de títulos de dívida pública são operações de política monetária que visam controlar a taxa de inflação. Contudo, a realidade é que a carteira de dívida pública dos bancos centrais da Área do Euro poderá vir a assumir valores históricos, fundamentalmente não para controlar a evolução dos preços no mercado de bens e serviços, mas antes para preservar a existência do euro.

Mesmo que com o apoio do BCE ao financiamento dos défices orçamentais, os elevados rácios de dívida pública de alguns países (com particular relevo para o caso italiano, já que se trata da terceira maior economia da Área do Euro) dificilmente acomodarão acréscimos relevantes, sem que não surjam perturbações indesejáveis. Os mercados (isto é, os financiadores) sabem que não é económica e institucionalmente sustentável o Eurosistema continuar a acumular títulos da dívida pública. Por tal motivo, a recente proposta franco-alemã de haver transferências extraordinárias do orçamento da União Europeia para os países com maiores dificuldades faz todo o sentido, desde que tais transferências não sejam contabilizadas como dívida pública. Uma via para tornar uma tal solução viável será o endividamento da União Europeia vir a ser amortizado em anos futuros por o agravamento das contribuições anuais dos Estados-membros para o orçamento comunitário.

Se não for encontrada uma solução que não agrave os rácios da dívida pública dos países com contas públicas mais desequilibradas, há o risco de tais países passarem a ter, mais cedo ou mais tarde, dificuldades em se financiarem nos mercados (que, em muitos casos, são os sistemas bancários dos respetivos países). Para além de que se poderia voltar a níveis de taxas de juro no mercado secundário de dívida pública semelhantes aos observados na Grécia e em Portugal num passado não muito distante. E, nesse caso, há o risco de algum país ser forçado a sair da União Monetária para resolver o seu problema de liquidez (como esteve eminente, há alguns anos, com a Grécia). É esse risco que, com intensidade variável, temos vindo a observar desde a crise financeira de 2008 e que está refletido no comportamento cambial do euro desde então.

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