A expectativa para 2020 deveria ser muito simples: o regresso à normalidade, após anos que foram disruptivos para Portugal e para as suas cidades.
Muito fatores explicam que hoje as cidades vivam uma nova realidade e fervilhem de vida e investimento, talvez como nunca se tenha visto antes. E, mais importante, um investimento claramente reprodutivo, orientado para atividades económicas, privado e assente em capitais próprios!
Este ciclo materializou o potencial de valor que os centros abandonados encerravam, exponenciando-o em resultado da projeção internacional de Portugal enquanto espaço de lazer, trabalho e opção de vida. Já deixamos de nos surpreender de cada vez que conhecemos (mais) alguém que vem viver para Portugal…
A normalidade consiste simplesmente na consolidação dessa mudança e a entrada numa fase de crescimento ditado mais por fatores endógenos, em vez de exógenos.
Mas, importa reter: Lisboa fecha 2019 a valorizar cerca de 9%, de acordo com o Índice de Preços da Ci. Claro, é metade dos 18% de há um ano, mas é difícil decretar como morno um mercado que valoriza a 9%…
Os dados da Ci mostram que, nos últimos anos, a realidade tem sempre excedido as expectativas dos operadores do mercado. Cada vez mais o mercado ganha um ritmo próprio, numa escala que extravasa a lógica local e que limita a nossa capacidade para produzir uma leitura das dinâmicas e antecipar o futuro. Um dado chave é o facto de Lisboa ter mais de 80 nacionalidades a comprar habitação, evidenciando que essa é uma dinâmica globalizada e cada vez mais difícil inverter, num processo que ganhou escala e massa crítica.
Contudo, claro, há o desafio de balancear socialmente o mercado. Mas para isso, em vez de o combater, importa que se desenhem políticas que tirem partido da fonte de valor em que o território se transformou.
O território é o nosso “único” ativo. Evidentemente, potenciado pelas nossas características sociais e culturais, assim como pelas infraestruturas que o tornam atrativo. Mas se lhe dermos uma vocação orientada para a “procura doméstica” vamos diminuir o seu potencial de valor e perder a nossa oportunidade de resolução dos nossos desequilíbrios externos.
Dizer isso não é sinónimo de virar as costas às necessidades óbvias da população, das nossas necessidades.
Mas as políticas públicas devem ser capazes de interpretar os ciclos, perceber as novas realidades que marcam este início de século e compatibilizar objetivos.
Quanto ao ciclo, importa olhar para os dados do Índice de Rendas Residenciais de Lisboa. Desceu 1,4% no 3º trimestre, confirmando a trajetória de estabilização que vinha registando desde o último ano. Dizendo o óbvio, os preços não vão subir sempre, nem para sempre. E o comportamento das rendas naturalmente há de ter consequência nos preços, sendo clara nesta fase a desaceleração que Lisboa já sente e se disseminará geograficamente.
Assim, não é evidente qual o ganho em restringir fontes de procura, em especial se são benignas do ponto de vista da nossa balança de capitais.
Fechar a porta aos Vistos Gold é de quem não tem competência para fazer melhor.
Criar novas centralidades, assegurar meios adequados de mobilidade e conceber um novo pensamento sobre a gestão administrativa do território (com menos “ilhas”), dá mais trabalho…
Por tudo isso, os promotores imobiliários começam a estar menos seguros de qual o futuro próximo. Não obstante, compreendem que o mercado é viável e que a equação entre preços e custos permite avançar com novos investimentos, desde logo em novas geografias e com maior pendor para a procura nacional. Mas enfrentam o maior dos obstáculos: a burocracia e tempo de licenciamento. Logo algo em que se poderia mexer, reduzindo os custos das operações, a incerteza e o risco e, assim, concretizando o desiderato que todos anunciam: o aumento da oferta.
Vemos assim, que os esforços de política não estão onde são necessários. Fazem o mais fácil, que é reduzir a procura, ignorando o mais complicado, que é garantir a oferta e a dinâmica do mercado.