EDITORIAL

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Ricardo Guimarães
Ricardo Guimarães
Diretor da Ci

Afinal, o mercado imobiliário é composto por agentes económicos simplesmente racionais...

O Prémio André Jordan 2016 distingue, na categoria de Doutoramentos/Artigos Científicos, uma linha de investigação conduzida no ISCTE que assenta na aplicação de métodos matemáticos de análise multicritério (uma ferramenta amplamente difundida visando o apoio à tomada de decisão) para responder a diversas questões essenciais para os investidores do mercado imobiliário, como seja o time-on-market ou o rendimento de rendas dos imóveis. No caso concreto dos estudos premiados, essas técnicas foram combinadas com o recurso a mapas cognitivos, que são processos de tratamento do conhecimento empírico detido pelos profissionais do mercado, visando identificar, hierarquizar e relacionar os fatores que mais contribuem para influenciar cada dos temas em estudo.

Tais processos podem ser usados em muitas situações, em especial quando não há bases de dados suficientemente ricas ou que implicam dimensões subjetivas de análise. Este é tipicamente o caso do mercado imobiliário, não só no da habitação (como sucede com os estudo premiados), como em todos os demais setores nos quais é necessário tomar decisões quanto a preços, mix de características, etc. Assim, as técnicas em apreço são um desafio à produção de estudos de mercado e concepção de políticas, tantas vezes pouco fundamentadas, precisamente pela dificuldade em definir modelos para esses problemas fruto da falta de informação quantificada sobre os mesmos. Contudo, na maioria das vezes, há informação qualitativa e informal que pode ser sistematizada e pode suportar tais decisões, tirando partido do profundo conhecimento empírico de mercado detido pelos operadores mais experientes.

No essencial, estas metodologias partem do pressuposto de que os agentes de mercado são racionais e detêm um conhecimento que, devidamente tratado, permite criar modelos para suportar decisões concretas sobre projetos e investimentos.

Já a dissertação de mestrado distinguida nesta edição do Prémio procede à aplicação da Teoria dos Jogos ao mercado de reabilitação urbana. De forma simples, essa teoria modela o comportamento dos operadores do mercado, num contexto em que cada um procura otimizar a sua posição, condicionado pelas sua expectativas quanto às decisões dos demais.

Tendo Lisboa como caso de estudo, a autora demonstra não haver incentivos naturais para que os proprietários de prédios situados em zonas degradadas invistam na reabilitação dos seus imóveis. São necessários fatores exógenos (ex. incentivos públicos) para iniciar o processo e incentivar os primeiros investidores a decidirem pela reabilitação dos imóveis. Só depois se criam externalidades que influem no valor patrimonial das propriedades, potenciando o desenvolvimento de novos projetos de reabilitação. A Teoria de Jogos vem provar que não existe incentivo natural para reabilitar e o ponto de equilíbrio corresponde a uma situação em que nenhum proprietário investe na reabilitação: o Equilíbrio de Nash de um jogo em reabilitação demonstra que o que traz maiores dividendos e portanto interessa aos proprietários é não ser o primeiro a tomar a decisão de investir.

É muito relevante o contributo deste estudo, na medida em que põe a nu que, chegados a um ponto de elevada degradação do património, mercê de fatores como o congelamento das rendas, a ausência de reabilitação e investimento corresponde a um equilíbrio de mercado racional, suportado pela teoria económica.

Hoje debatemos “os excessos da reabilitação” mas, até há pouco tempo, a reabilitação era uma miragem, debatida uma e outra

vez, mas não concretizada. Foram precisos choques externos, relacionados com investimento público, alterações de legislação e o impulso do turismo, para que finalmente a reabilitação acontecesse. Havia uma tendência para ler a inação dos proprietários como irracional e incompreensível mas, pelo contrário, e conforme nos mostra a autora, somos novamente postos perante a racionalidade dos agentes de mercado, que não investiram pela simples razão de que essa era a opção que defendia os seus interesses.

Assim, conclui-se que afinal o mercado imobiliário é composto por agentes económicos simplesmente racionais...E isso tem consequências, pois é de esperar que respondam de forma racional aos estímulos positivos e negativos da política económica e setorial.

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